Publicado 21 Novembro 2005 13:59
Luísa Bessa
O sonho tecnológico
lbessa@mediafin.pt
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Sócrates começou por prometer o choque tecnológico. Até agora, o único choque foi o dele próprio. O choque transformou-se em plano, nome mais condizente com a responsabilidade governativa, mas, ao fim de seis meses, antes de as medidas verem a luz do dia, vão ficando mortos pelo caminho.
À demissão de José Tavares de coordenador da Unidade de Coordenação do Plano Tecnológico, o Governo respondeu prontamente com a nomeação do economista Lebre de Freitas, figura da casa do Ministério da Economia.
Prosseguindo na estratégia de «damage control», o Governo deixou vir a público o documento síntese elaborado pelo coordenador demissionário e anunciou que o plano vai a Conselho de Ministros esta semana. Mas já nada poderá apagar a imagem destes seis meses de gestação do plano, cujo anúncio chegou a ser prometido para o final de Setembro, sem que os agentes a quem se dirigia tenham sido envolvidos nos trabalhos. Mais uma prova de que mesmo quando prega a inovação e a flexibilidade, o Estado fica refém dos piores vícios centralistas.
Embora não esteja clarificado se o que vai a Conselho de Ministros é o de José Tavares, ou a versão corrigida a partir dos vários contributos ministeriais, cujas críticas desencadearam a saída do coordenador, o que se destaca no documento é o número elevado de medidas - 166, ainda mais do que as 125 da estratégia de Lisboa, em todo o caso números bastante indigestos - e o seu carácter avulso, para não falar de que se trata em grande parte de um novo embrulho para acções já em andamento.
Se alguém alguma vez acreditou que o plano tecnológico pudesse ser mais do que um «sound bite», qualquer efeito mobilizador acabou de se desfazer.
A última questão remete para a liderança do plano e a solução bicéfala adoptada, entre a tutela da Economia, com Manuel Pinho, e as dotações financeiras do orçamento da Ciência e Ensino Superior, de Mariano Gago. A principal virtualidade do Plano Tecnológico, tal como foi enunciado no programa de Governo, era colocar a ID ao serviço da inovação e do reforço da competitividade da economia. Deixar de olhar o crescimento da despesa em ID como um fim em si, das universidades e dos laboratórios do Estado, mas antes para a necessidade de a tornar reprodutiva, contribuindo para o crescimento da riqueza nacional. Ora essa não é missão para Mariano Gago e se Pinho não está à altura do desafio, só resta a Sócrates fazer o que devia ter feito desde o princípio e assumir a liderança do Plano Tecnológico.
Sendo certo que fazê-lo agora será sempre uma solução de recurso porque a bandeira eleitoral do PS já não está a brilhar de nova, como na campanha eleitoral. Esta até bastante desbotada e esfarrapada.
E eis-nos chegados à triste situação de o Governo que fez bandeira do Plano Tecnológico não ter para apresentar como projectos mobilizadores senão o regresso ao betão. Desfeito o sonho tecnológico, resta a Ota e a receita segura das obras públicas. Que fizemos nós para merecer isto?