Algumas reflexões sobre os equipamentos e os meios que estão distribuídos ás Forças Armadas para as missões de paz.O acidente / atentado em Cabul

Comandos portugueses no Afeganistão. Na foto uma viatura URO modelo VAMTAC
Ocorreu a sul de Cabul um atentado, na sequência do qual faleceu o 1º Sargento João Paulo Pereira do exército português. Da ocorrência, resultaram feridos três outros militares, um deles com gravidade, o cabo Horácio da Silva Mourão, que foi submetido a intervenção cirurgica já num hospital da NATO na Alemanha. Os militares seguiam a bordo de uma viatura de fabrico espanhol, URO modelo VAMTAC, adquirida propositadamente para esta missão.
Continua sem se saber até ao momento, que tipo de dispositivo explosivo atingiu a viatura. No entanto, sendo o URO um veículo com alguma blindagem, tratou-se provavelmente de uma armadilha anti-carro, colocada numa estrada por onde passam regularmente patrulhas.
As imagens disponíveis do acidente, ou do veículo depois de acidentado, levantam também algumas dúvidas,e permitem colocar algumas questões.
O condutor da viatura, parece ter sofrido menos ferimentos, assim como o ocupante do banco de trás do lado esquerdo.

A explosão ocorreu depois da passagem do veículo, por debaixo do banco da frente, do lado direito
A forma como a viatura URO ficou deformada, permite concluir sem grandes dúvidas, que ocorreu uma explosão por debaixo do veículo. O engenho, contou com 10 a 15Kg de explosivo (15 a 20Kg segundo algumas fontes) de TNT, e foi colocado numa conduta ou cano de esgoto semi-destruido que atravessava a estrada.
Não faz sentido acreditar que se tratou de uma mina por explodir, pois a via em que ocorreu a explosão é muito movimentada e o veículo não saíu da estrada.
Os danos visiveis, não são coincidentes com os estragos provocados por uma mina anti-carro, que normalmente produz uma explosão concentrada que fura o veículo, nem uma mina anti-pessoal, que não provocaria os danos que foram causados.
Logo, o que se pode concluir, é que se tratou de uma armadilha como muitas que foram já utilizadas no Iraque mas também no Afeganistão, construida artesanalmente, utilizando, por exemplo explosivos e detonadores retirados de obuses de artilharia, adaptados para explodir à passagem de um veículo ou objecto pesado.
(1) a posição das dobradiças da porta traseira
parece indicar que a porta foi retirada, e não
arrancada.
(2) No entanto esta peça parece corresponder
ao forro interior da porta, e parece estar furada
(3) Os bancos não apresentam sinais de
perfuração, pelo que a blindagem inferior do URO
resistiu
(4) Aquilo que parece ser a tampa do "porta-luvas"
continua fechado no lugar.
(5) Haveria aqui vestigios se houvesse algum
estilhaço.
(6) Dobradiça da porta da frente, ao contrario das
da porta de trás, está dobrada para trás.
A viatura onde seguiam os militares, apresenta uma deformação muito clara do lado direito. As rodas não foram afectadas, nem os bancos laterais direitos. No entanto, não sabemos em que estado ficaram as portas e principalmente em que estado ficaram os vidros laterais, que em comparação com os vidros laterais de versões mais blindadas dos HUMMER, apresentam um tamanho muito grande no caso do URO Vamtac. Vidros maiores, implicam necessáriamente menor resistência. Os vidros da porta traseira porém, a acreditar nas imagens disponibilizadas pela TV parecem não ter sofrido danos.
Também não se sabe, se a explosão foi automática (causada pela passagem do veículo e accionamento de detonador) ou se ocorreu detonação à distância (dirigida por mão humana). A ocorrência de uma explosão causada por accionamento de um detonador, poderá traduzir-se num aumento da sofisticação dos dispositivos utilizados para efectuar este tipo de atentado. Neste caso, são de esperar mais e maiores problemas deste género.
De há seis meses a esta parte, tem-se vindo a verificar um aumento nas operações terroristas no Afeganistão, acreditando os analistas que muitas das tácticas utilizadas pelos grupos armados de Al Zarqawi podem ser transplantadas para o Afeganistão.
Apenas dois dias antes do atentado terrorista contra os militares portugueses, ocorreu um outro atentado do qual resultou morto um militar alemão, da mesma força a que pertencia o português (ISAF). Este novo tipo de "guerra" no Afeganistão, coloca um novo problema, que é o da adequação dos meios distribuidos aos militares, à missão que estes devem desempenhar.
Infelizmente, a missão dos comandos no Afeganistão, partece ter sido preparada de forma pouco eficiente. A tropa chegou ao Afeganistão sem comida, porque foi contratada uma empresa de origem espanhola que conforme manda a tradição, tratou de fornecer aos portugueses o pior tipo possível de serviço. A comida chegou aos nossos militares podre, e fora dos limites de utilização, tendo a força que recorrer a rações de combate, para resolver o problema. Também a questão com as viaturas, foi tratada de forma muito pouco profissional, tendo-se chegado praticamente à hora da partida para o Afeganistão, sem os veículos necessáros para a operação. Portugal tem alguns veículos HUMMMER mas estes, não têm qualquer tipo de blindagem, tendo por isso sido considerados desadequados para a missão.


Os veículos enviados para o afeganistão foram os veículos
Panhard VBLde origem francesa e os
URO Vamtacde origem espanhola, estes últimos incorporados à ultima-da-hora. Os veículos espanhóis, são de facto blindados, mas este tipo de veículo, uma das muitas versões inspiradas no HUMMER norte-americano que há por esse mundo fora, pode ser equipado com vários tipos de blindagem. Não podemos determinar se a blindagem desse veículo é ou não adequada, mas pela análise exterior, o vículo resistiu em grande medida à explosão. Aliás, a vítima mortal, faleceu por ter sido projectada contra o tecto da viatura em que seguia, e não por qualquer estilhaço decorrente da exmplosão.
O problema, não parece portanto residir na qualidade da protecção do veículo URO-Vamtac. a acreditar nas informações conhecidas e divulgadas pelas Forças Armadas.
Neste tipo de teatro de operações, começa a ser provavelmente desaconselhada a utilização de um veículo, com uma arma exterior, que exige que os militares se encontrem a descoberto, parcialmente fora do veículo, e portanto sem estar protegido pela blindagem. Os alemães, por exemplo, têm no terreno veículos de maiores dimensões, que podem ser utilizados para patrulhas, e que têm como característica principal, uma altura que permite transportar os tripulantes a uma distância do solo muito mais elevada. Ao elevar a distância do solo, está-se automaticamente a reduzir a força com que o impacto de uma explosão atinge a viatura.

Desta forma, como se pode ver pelo esquema acima, os tripulantes de um DINGO-2 estão protegidos por se encontraram mais altos. A outra característica que contribui para aumentar o grau de protecção dentro de um "Dingo", é o facto de estes terem um casco em forma de V, que mais facilmente permite deflectir estilhaços de uma explosão.

KMW DINGO-2

ATS Sable

ATS Oryx
Aliás, embora muito mais pequeno o Panhard VBL também tem essa característica, o que, eventualmente o colocaría como veículo mais adequado para este tipo de missões que o HUMMER ou os seus derivados, que por serem autenticas caixas de sapatos, não têm praticamente nenhuma capacidade para deflectir estilhaços e além disso têm um baixo centro de gravidade.
Os veículos como o Dingo, são normalmente baseados na mecânica do UNIMOG 5000 ou outro tipo de UNIMOG, que é um veículo que as Forças Armadas portuguesas já utilizam. A sua blindagem é naturalmente mais robusta, pois também contam com um motor mais potente. Como é óbvio a desvantagem decorre de ser um veículo mais pesado, e que inevitavelmente tem uma manutenção mais cara e custos operacionais mais elevados. O DINGO-2 por exemplo, tem uma velocidade máxima relativamente elevada, que se aproxima dos 120Km/h.
Outro dos problemas é o peso, pois apenas dois destes veículos podem ser transportados em aeronaves do tipo Hercules C-130.
Por ser maior, este veículo mais facilmente pode ser equipado com uma torreta que permite disparar de dentro do veículo, se isso for julgado conveniente num determinado cenário.
O maior tamanho, a autonomia, a blindagem e a separação fisica entre o chão e os tripulantes, tornam este tipo de veículos os mais adequados para as missões que neste momento os Comandos desempenham no Afeganistão.
Naturalmente que este tipo de veículos é mais caro. Um DINGO-2 deverá custar cerca de € 500.000, o que de três a cinco vezes mais caro que um HUMMER, dependendo da protecção. No entanto, se é intenção do governo potênciar a capacidade do país para corresponder a compromissos internacionais deste tipo, não pode pensar em mandar os militares portugueses com equipamentos desadequados para a função, e confiar na sorte.
A sorte protege os audazes, mas às vezes é Madrasta.
P.Mendonça (c)
http://www.areamilitar.net 2005