concordo que para algumas pessoas saia "mais barato" contratar um ama por 500 euros do que abandonar a sua carreira, só creio que o jornalista (tendo em conta o tema do artigo) deveria ter tido um pouco mais de sensibilidade e perceber que essas situações são a excepção á regra, a regra sendo a falta de emprego ou remunerações médias na ordem dos 120 contos.
http://visaoonline.clix.pt/default.asp?CpContentId=327109
Emigrantes
Ir desta para melhor
Se as empresas se deslocalizam, porque não hão-de também os trabalhadores deslocalizar-se para países onde há trabalho? Por cada fábrica que fecha no Vale do Ave, parece haver, pelo menos, um português que emigra. Inglaterra é o destino mais apetecido pela nova vaga de emigrantes portugueses
Cesaltina Pinto / VISÃO nº 643 30 Jun. 2005
Ainda está a adaptar-se. Aos 43 anos, Cosme Isidro decidiu mudar radicalmente de vida. Chegou a Inglaterra a 17 de Junho e dirigiu-se a Rugby, a 140 quilómetros de Londres, onde tinha um emprego à espera. Pela primeira vez, serve capuccinos num café de uma estação de serviço, num país que lhe é estranho. «Há 20 anos que não falava inglês. É complicado? mas tudo isso será superado», confia. Pensa na filha, 18 anos, «que quer entrar para a Universidade», e no filho, de 15, no 10º ano. Ainda está a tratar da papelada toda, mas teve «a sorte de ir parar a uma residência com pessoal espectacular»: uma checa e dois portugueses, chegados «há meio ano de Lisboa». Deixou para trás uma oficina de ourivesaria, em Gondomar, que «pagava aos soluços e não tinha Caixa (de Previdência)». Quinhentos euros não davam para viver, o novo patrão paga 1 250 limpos. Descontados os 400 euros de alojamento e algum para comida, restar-lhe-ão ainda entre 500 e 750 euros - pensa Cosme. «Vim tentar a sorte. E com o que vi, nos pouco dias em que já aqui estou, não penso em voltar.»
Em Portugal, a crise está instalada. Fartos de fazer contas à vida, cansados de sentir o dinheiro curto e o futuro negro, sem novos empregos à vista, os portugueses começam, de novo, a olhar para além fronteiras. Palavra passa palavra e toda a gente tem um familiar ou um amigo «lá fora». As agências de recrutamento e empresas de trabalho temporário anunciam, nos jornais portugueses, empregos em Inglaterra, Suíça ou Holanda.
Nos vales do Ave e do Cávado, a zona por excelência da indústria têxtil, encerram empresas todos os dias. A maioria tem dez, 20, 30 trabalhadores, que produziam a feitio, por subcontratação. Só no Vale do Ave, os desempregados chegam aos 50 mil, o dobro da média nacional, e, no Cávado, ultrapassam esse valor. «As previsões apontam para a perda de outros 50 mil postos de trabalho, nos próximos anos», reforça Manuel Sousa, sindicalista têxtil de Barcelos. Alternativa? Emigrar.
A indústria deslocaliza a produção para países de mão-de-obra mais barata. Os desempregados «deslocalizam-se» para países mais ricos da União Europeia (UE). Observa-se, em Portugal, uma nova vaga de emigração, que se intensifica a cada dia. O País «de tanga» tem 5 milhões de emigrantes e quase 2 milhões estão na Europa. Hoje, a primeira escolha dos portugueses é a Inglaterra, o país mais rico da UE, a viver uma situação de pleno emprego.
Fique cá dentro, lá fora
A VISÃO aterrou em Londres, num domingo, véspera do Dia de Portugal. Cerca de 15 mil portugueses festejam o dia do seu país. O verdíssimo Kennington Park transforma-se numa rábula da Feira Popular. Não falta a sardinha assada, feijoada e frango na brasa. Várias tendas vendem leitão da Bairrada, moelas, bifanas, bolinhos de bacalhau, cerveja Sagres e vinhos.
A ver atirar mais um frango para o braseiro estão David Costa, 35 anos, e a mulher, Rosa, 38, que trocaram, há dois anos, Guimarães por Boston, localidade a 200 quilómetros de Londres, onde vivem mais de 4 mil portugueses, chegados, sobretudo, nos últimos três /quatro anos. David instalava redes de gás. «Vim ver, gostei, aqui fiquei e vou ficar. Lá, ganhava uma miséria, 500 euros.» Reciclou-se para a construção civil. Ganha quase 400 euros por semana. E a mulher, que veio depois, ganha outro tanto, numa «fábrica de fiambre». Largou a de calçado, na terra, agarrou nos filho, de13 e 8 anos, e levantou voo. «No início foi complicado. Mas já nos desenrascamos melhor, as crianças estão bem na escola», diz ela. «Agora, vão acabar o curso aqui, para terem um futuro. Queremos comprar uma casa cá e outra em Portugal», diz ele. E o dinheiro chega? «Ganho, numa semana, o que ganhava lá num mês», garante David. «Em Portugal, 500 euros dele, 450 meus, por mês, se desse para pôr 200 de lado era muito.»
São os portugueses do Norte e do Centro que continuam a emigrar mais, com o distrito de Braga à cabeça. À medida que as empresas têxteis, de confecções ou de calçado vão encerrando, uma boa parte dos seus trabalhadores sai do País. Em 2004, 39 mil pessoas deram baixa do subsídio de desemprego, nos vales do Ave e Cávado. Até Março deste ano, já foram mais de 10 mil (ver quadro). Apesar de poucos indicarem, expressamente, o motivo emigração, a verdade é que «se não há emprego aqui, só podem ter ido em busca de um», garante Adão Mendes, da União de Sindicatos de Braga.
Reino Unido, Suíça ou Espanha ultrapassam mercados tradicionais como a França ou a Alemanha. A Suíça recebeu mais 10 mil portugueses no último ano.
O fenómeno faz poupar dinheiro ao Estado português, que se vê, em muitos casos, dispensado de continuar a pagar subsídios de desemprego, e ilude o número real de desempregados: se hoje está acima dos 7 %, seria mais alta, não fosse a vaga de emigração verificada.
Só na Irlanda do Norte estarão 25 mil portugueses, de acordo com Brígida Martins, do Sistema de Apoio ao Emigrante. Começaram a chegar em 2000, mas a vaga intensificou-se, nos dois últimos anos. «Antes, vinham à meia centena, hoje chegam aos mil. Têm entre 20 a 40 anos e trabalham nas fábricas», reforça. O consulado, em Londres, calcula que estejam em Inglaterra entre 250 a 300 mil portugueses. «Começaram a vir em 1992. Temos mais de 130 mil inscritos, mas isso não reflecte a realidade», afirma o nosso cônsul, João Bernardo Weinstein. «Estou cá há dois anos e noto diferença.
Antigamente, havia picos, no Natal, no Verão? agora, há sempre pessoas a chegar. Num ano, houve 12 200 novas inscrições. Um ritmo de mil por mês!»
Vender o BMW
Stockwell, Labeth, fica a 15 minutos de metro do centro de Londres. Sai-se da estação, sobe-se a rua ladeada por casas modestas e chega-se ao Cantinho de Portugal. Podia ser o nome do bairro, mas é só um café, entalado entre duas portas de onde não pára de entrar e sair gente. Uma pertence à agência de emprego Neto.Uk. A outra dá para um salão de jogos que, às vezes, se transforma em balcão de apoio, para «tratar de documentos», quase sempre sob a vigilância de Tony Cunha, conselheiro das comunidades - homem que dá dois berros e um murro na mesa, quando é preciso manter a calma.
José Neves, 39 anos, já teve uma vida boa, em Portugal. Saudoso, mostra a foto da família ainda a residir no rés-
-do-chão da moradia que está a construir na Feira: a mulher, Maria Silva, 34, e as duas filhas, Catarina, 9, e Ana Rita, 4 anos. «Em Setembro, têm de cá estar todos. Com a família, vivo aqui feliz toda a vida. Só regresso com a reforma e com as filhas formadas.» Chegou em Novembro passado, quando foi obrigado a vender um BMW para pagar dívidas ao Estado e evitar a hipoteca da casa. Um mês depois, deu ordem à mulher para fechar a empresa de colocação de tacos e carpintaria, que tinha constituído em 1994. A Taconorte Lda chegou a facturar 400 mil euros e a empregar seis pessoas. A partir de 2001, o negócio quebrou 50 por cento. No ano passado, a situação tornou-se insustentável. Estava desesperado, quando lhe telefonou um amigo. «Aceitas um contrato de três meses, por 7 500 euros, numa fábrica de carpintaria, em Norwich [quase a 200 quilómetros a norte de Londres]?», perguntou-lhe. Aceitou logo.
Foram já as libras a pagar o subsídio de Natal aos três empregados restantes, hoje no fundo de desemprego. «Tenho muito dinheiro a receber. Cheques sem cobertura. Até me dá fastio ir a Portugal!» Enquanto aguarda novo trabalho e não aluga o estúdio-flat para a família - «Quero ir para a zona de Chelsea ou de Victória» -, José Neves partilha um quarto e uma kitchnet com outro homem, por 225 euros por semana (fora a água, luz e gás), numa casa com 15 quartos e cinco casas de banho.
O negócio dos apartamentos
O alojamento para emigrantes tornou-se um grande negócio, assim como o recrutamento de mão-de-obra. Por isso, todos conhecem Domingos Cabeças, oriundo de Vila Real e dono da agência Neto. Com apenas 29 anos (chegou aos 16), este pai de família, pequeno e franzino mas enérgico q.b., tem na mão o destino de muita gente. Atrás de um balcão demasiado alto, dá e recebe informações por telefone e diz a quem está na sua frente: «Não. Não temos nada para limpezas. Passa cá amanhã.»
A degustar, à pressa, um prego no pão, resume a essência do negócio: «Alugo mão-de-obra. Tenho uma tabela de preços indexada à experiência da pessoa que vai trabalhar. Coloco no patrão e ele paga-me uma percentagem.» Um golo de cerveja empurra as palavras. «A Inglaterra tem preço fixo por hora: menos de 23 anos e sem experiência, são 5,63 euros. Mais de 23 e com experiência, 7,29. É o mínimo por lei. O que dá sempre à volta de 375 a 425 euros por semana, ou seja, pelo menos 1 200 euros ao mês, com descontos feitos. Em Portugal, só as pessoas qualificadas ganham isto. Em Inglaterra, é o que ganham as não qualificadas.» Contas feitas, resta o diagnóstico: «O problema é ter mais pessoal do que preciso. Ou melhor, o pessoal não é aquele de que preciso, porque não tem experiência nem fala inglês.»
Mesmo assim, vai colocando gente na indústria hoteleira, na construção civil, nas limpezas e nos serviços domésticos. Mas, com o alargamento da UE ao Leste, a coisa piorou para os portugueses. «Chegaram os polacos. Não trabalham mais barato, mas falam inglês. Há um ano, despachava muita gente para as fábricas. Qualquer pessoa servia. Mas desde que surgiram os de Leste?»
Mala de cartão...
As fábricas, geralmente do sector agro-pecuário, estão fora de Londres, nas zonas rurais. Segue-se a direcção de Cambridge, ruma-se a Norte e entra-se na província de Norfolk. Uma da maiores fábricas da região, já quase a chegar a Norwich, mantém um contingente de mil portugueses, num total de 4 mil trabalhadores. A Bernard Matthews (Bernardo Mateus para os portugueses), que trata e empacota derivados de perú, já tem escritório em Lisboa e é a partir daí que recruta o pessoal.
Quando se fala português, é em Swaffham, uma aldeia de Norwich, que desembocam os caminhos. Mesmo no centro da vila, há uma loja da cadeia Delicatessem. É explorada por Jorge Broega, homem de substância corporal e sorriso genuíno e largo, o patrão do recém-criado Clube Português (uma alternativa ao pub inglês), que encontramos na agência Staffhire, a pagar ordenados. A empresa, que gere em conjunto com um inglês, coloca os portugueses nas várias fábricas das redondezas e uma sua subsidiária liquida os salários, no final de cada semana. A agência recebe uma percentagem das fábricas onde coloca os trabalhadores e é da sua responsabilidade o pagamento de «20 dias úteis de férias». Aqui, não há 13º mês. É também dela a grande parte das casas da vila, algumas degradadas, a alugar ou subalugar aos emigrantes. A renda é, aliás, deduzida e inscrita no recibo do ordenado, a par dos impostos e segurança social.
Quando Jorge Broega aqui chegou, em 1997, «havia meia dúzia de gatos pingados». Hoje, a Câmara diz que «há mais de 10 mil portugueses». Sandra, 34 anos, é responsável pela logística da distribuição dos trabalhadores, consoante a necessidade das fábricas - escolha e empacotamento de cenoura, batatas, nabos e cogumelos ou abate de galináceos. Ela deixou para trás, há quatro anos, a gestão da têxtil Marcovite, que entregou à mãe, em S. Martinho do Campo, Vale do Ave. «Era uma carga de trabalhos e a coisa já andava mal.»
Por aqui, há desesperos e segredos, sentidos em silêncio. Às vezes, estaciona-se o tempo suficiente para fazer algum dinheiro e logo procurar outro poiso. Há quem se arrependa e já não possa voltar atrás.
Não foi o que aconteceu a Nuno Castro, 30 anos, que ali ficou o bastante para se apaixonar pela checa Lenka Franova, 29 anos. Ele chegou no fim de 2002 e ela um ano depois. Partilham uma pequena casa da agência (pagam 75 euros cada). Um irmão dela dorme no sofá da sala, onde Nuno Castro vai desfiando as suas recentes conquistas. «Vivi dois meses numa casa com dez pessoas, mas, no final deste ano, vou arranjar uma casa só para os dois. Vamos ficar juntos para sempre.»
Também trabalham juntos, na Gooderstone (empacotamento de produtos), com mais 300 pessoas, 200 contratados pela agência, quase todos portugueses. Antes de ter conquistado o cargo de machine operator, Nuno estava a escolher os bons parsnips [espécie de nabo]. Mas como falava umas coisitas de inglês e tinha o curso de afinador de máquinas do Citex, subiu na hierarquia. Afinou máquinas têxteis em S. Romão do Coronado e geriu a produção de uma confecção, nas Caldas de Vizela. Um dia, rebentou-lhe o saco. Despediu-se. Viu-se desempregado, durante meio ano. Arriscou Inglaterra. «Levanto-me às 5 e 10, ponho as máquinas a aquecer às 6 e 15 para quando o pessoal chegar, às 6 e 30, estar tudo pronto. Termino às 15 e 8, mas depois fico a fazer overtime.» Exibe o recibo de vencimento: «Em Portugal, nunca tirei mais de 600 euros limpos. Aqui recebo 450 euros por semana.» Estranhou ter de deitar-se às 9 da noite, desconfiou quando o mandaram embora do pub às 11, sentiu falta do sol e do mar - mas a tudo já se habituou e com 1 350 euros que ganhou em horas extraordinárias comprou um Rover 900. «Ao menos aqui ninguém berra comigo. Chamam a atenção, conversam. Se há assuntos para resolver, resolvem-se.»
?e mala Louis Vouitton
Quem tem baixo nível de escolaridade continua a ser quem mais emigra. Mas Londres torna-se um mercado cada vez mais apetecível para jovens licenciados. Perante a falta de alternativas dentro de fronteiras, voam para a cidade mais cara da Europa, aumentam as qualificações - e «as oportunidades aparecem».
Depois da licenciatura em Design de Comunicação, Diogo Terroso foi de Famalicão para Inglaterra a fim de se valorizar profissionalmente. Primeiro, um curso de Verão, depois um mestrado, agora um doutoramento. Aos 30 anos, acabou amarrado a uma equipa e a um contrato para desenvolver a nova imagem da Nokia. «Em Portugal, nunca teria oportunidade de apresentar um projecto à Nokia.» Trabalha três dias por semana, ganha 3 mil euros por mês. «Um designer, aqui, tem estatuto.» E a pós-formação é muito virada para a indústria, acrescenta. Quando escolheu a área multimédia para a tese de mestrado, alguém viu ali caminho com futuro. A empresa Moving Brands - que tinha de apresentar propostas à Nokia - foi buscá--lo. E a sua a proposta venceu.
«Em Portugal, dir-me-iam: olha, mais um tipo com ideias, uma dor de cabeça!», ironiza, lembrando as suas experiências com clientes do Norte. Mesmo assim, Diogo quer regressar, um dia. Por agora, vive em Islington, um bairro londrino moderno, de jovens liberais. Levou o seu Peugeot 106 e tem corrido a Europa toda.
Suíça, França e Espanha
Suíça ‘Trabalho no duro’
Com apenas o 9.º ano, Ricardo Miranda já foi mecânico, jardineiro, operário fabril, desempregado. Em Janeiro, zarpou para a Suíça. Trabalha «no duro», na construção civil, mas ganha 1 500 euros. Compensa. «Dá para pôr 500, 600 euros de lado, e pagar a dívida do carro que sonhava comprar.» Está em vias de largar a casa onde vive com mais 19 homens e alugar o seu próprio apartamento. «Quero comprar casa, um bom telemóvel, uma máquina fotográfica.» E claro que não quer «andar na trolha toda a vida».
França ‘Ganha-se bem’
Desde o final de 2004 que Angelina Dias tem a casa mais vazia. Após o marido ter andado entre França e Portugal durante seis anos, ainda muito antes do 25 de Abril, viu agora a sua filha, Maria da Conceição abalar para o mesmo destino. Foi juntar-se ao marido, trabalhador da construção civil, que atravessara fronteiras há dois anos. Entretanto, a Loubarsil, têxtil onde trabalhava desde os 16 anos, fechou. Ainda arranjou um trabalhito numa outra fabriqueta, só até receber ordem de marcha do marido. Com 31 anos, dois filhos e outro na barriga, Maria da Conceição instalou-se em França, deixando procuração ao sindicato, na esperança de ainda receber indemnização. «Ganha-se mais do que em Portugal. As crianças gostam e até já sabem falar francês. Vou ficar por cá», diz.
Espanha ‘Mais barato’
Já estavam a viver na casa nova, mas inacabada, quando a vida se complicou. O que ele ganhava como «trolha oficial de 1.ª» (700 euros) não dava para sustentar o filho de 10 anos e pagar a mensalidade ao banco (300 euros). Vítor Silva, 32 anos, tentou a sorte em Bilbau, no início de 2004 e dobrou o ordenado (1 500 euros). A mulher, Zita, 30 anos, ficou em Esposende e continuou a trabalhar na Lusopaço. Fazia «recobrimentos», ou seja, bainha, por «380 euros ilíquidos, uma miséria». Mas em Dezembro, já sem salários em dia, a patroa anunciou o fecho da fábrica. Em Fevereiro, Zita juntou-se ao marido. «Só regresso se a situação mudar muito. No supermercado, aqui, até há coisas mais baratas?».
Me against the world
É num recanto atrás de Oxford Street, que Graça Morgado, 26 anos, lamenta o facto de ter sido obrigada a regressar a Inglaterra por não arranjar um emprego ao nível da licenciatura em Jornalismo tirada em Southamptom. «Durante dois anos, mandei currículos para todo o lado, sem nunca obter resposta.» O máximo que conseguiu foi um estágio de três meses. Retornou a Inglaterra, para um mestrado, na Universidade de Westminster. «Em três semanas, arranjei trabalho», compara.
Alguns empregos depois - «aqui, se não gostamos de um, temos facilidade em mudar para outro» -, é directora de produção da IMG, uma multinacional que agencia várias figuras desportivas. Ganha 1 500 libras por mês. E acabou o mestrado. «Estou super contente. Não estudei para isto, mas sou bem tratada. Sabemos que, se formos bons profissionais, progredimos. Não ficamos 20 anos à espera de um aumento e de subir na carreira.»
Graça, loira e de olhos azuis, não parece portuguesa e isso facilitou-lhe a vida. «Quando descobrem, já é tarde», ri. É com empenho que faz um part-time não remunerado, no serviço educativo da Tatte Modern. «Gostava muito de regressar a Portugal. Mas falo com as pessoas e noto uma angústia, um desespero, é tudo tão negativo. Seria um suicídio. Até a minha mãe me diz para não voltar. Tenho uma óptima vida, em Londres.»
Vive em Chiswick, a oeste da cidade, numa casa de dois andares, com jardim, que divide com duas pessoas. Chega ao trabalho depois de um percurso de 25 minutos a pé, «através de um parque lindo». Mas atenção: nem tudo foi um mar de rosas. «No início, foi me against the world. Só devem vir pessoas que estejam preparadas para situações que não são fáceis. Gasta-se imenso dinheiro. É preciso perseverança, paciência, força de vontade. Há grande desgaste emocional e um ritmo de vida acelerado.»
Um pouco mais longe, numa cidade vizinha de Londres, Pedro Gomes da Silva, 30 anos, também não vê hipótese de regressar ao país natal. A acabar o mestrado em Gestão Financeira, na Universidade de Bristol, precisa de trabalhar e vê poucas hipóteses de lhe aparecer algo decente, em Portugal. «Não há sequer anúncios a que responder», indigna-se, durante umas curtas férias no Porto.
Licenciado em Economia, ainda se especializou no mercado de capitais. Estagiou na Bolsa de Derivados do Porto e, quando tudo apontava para que ficasse, mudaram-na para Lisboa. Reciclou-se para a contabilidade, trabalhou a recibos verdes, deu formação. «Percebi que ia ficar nesta cêpa torta o resto da vida. O mercado aqui não é líquido, não há rotatividade, nem flexibilidade. A própria lei laboral é demasiado rígida, protege o mau trabalhador.» Não esconde como está rendido ao sistema inglês: «Vou a uma agência, digo que quero trabalhar 15 horas por semana, arranjo logo emprego. Dentro da lei. Isto favorece a meritocracia e não o comodismo.»
Próxima etapa
Em Portugal, na Junqueira, Paulo Vale, 35 anos, já nem é empresário nem patrão. Respira, aliviado. Olha o vazio, dentro da garagem que já foi fábrica de confecções. Acabou de lhe assinar o óbito. «Custou muito.» As empregadas esperam o subsídio de desemprego. Foram para casa «com o dinheiro do mês e mais nada». Vendeu as máquinas, entregou dinheiro ao Estado para abater parte da dívida à Segurança Social, IRS, IVA? «e pronto, acabou».
Próxima etapa: emigrar. Paulo olha para a única filha, Beatriz, à espreita. «Não acho que seja bom. Sei é que se ganha mais dinheiro.»
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=176451&idselect=181&idCanal=181&p=0
Em 2004: 23.965 partem para o estrangeiro
Portugueses fogem da crise nacionalCada vez mais emigrantes partem de avião para trabalhar noutros países
Para escaparem da crise, milhares de portugueses agarram na mala de cartão e partem à procura de trabalho no estrangeiro. Mas do romantismo pimba de Linda de Suza não resta quase nada, só a frustração que historicamente levou a população nacional a emigrar. Os primeiros números de 2004 revelam um crescimento na chegada de portugueses a países como Suíça, Espanha, Andorra e França.
Tarascon Sur Ariege é uma pequena localidade de 3500 habitantes no Sul de França, próxima de Toulose. A crescente onda de falências de fábricas no Norte de Portugal faz, todas as semanas, chegarem à pacata cidade jovens lusos. “Soube que há três dias chegou uma carrinha com dez portugueses para trabalhar numa empresa de obras. São rapazitos com 24 e 25 anos que vieram do Norte”. A informação parte de João Maciel, presidente do Grupo de folclore português da localidade, que conta com 50 elementos. “Na maioria são jovens que nasceram em França e que dançam para não perderem as raízes”.
PROCURAR SORTE EM FRANCÊS
Segundo a Confederação de Colectividades Portuguesa, em França vive cerca de um milhão de portugueses e luso-descententes, muitos presença frequente nas mil associações lusas existentes. Na cidade de Besaçon (próxima da Suíça), o CM obtém, na Associação Portuguesa de Besançon, posição idêntica sobre a procura crescente de trabalho por portugueses. “São jovens casais, entre 20 e 40 anos, muitos do Minho e de perto do Porto”, diz o presidente da associação, António Lopes.
França acolhe todos os anos cerca de 27 por cento da emigração portuguesa. Os valores registados em 2004 ainda não foram divulgados pelo INSEE (Instituto de Estatística Francês), mas o país não deve escapar à onda de portugueses que procuram melhor sorte.
Na Suíça, o Gabinete Oficial das Migrações revelou que, em 2004, 9898 portugueses chegaram ao país. Um ano antes, o número já atingira os 8754. Em Espanha, o Instituto Nacional de Estatística divulgou que, em 2004, foram viver para lá 8000 portugueses, valor superior aos 5050 registados no ano anterior. No Luxemburgo, desde Janeiro último o número de portugueses subiu de 63,8 mil para 65,7 mil.
ATÉ NA PEQUENA ANDORRA
Actualmente residem quase dez mil portugueses em Andorra. A presença nacional aumentou mais de 20 por cento no ano passado. Os números da Estatística de Andorra dizem que em 2004 foram morar para o principado 2500 portugueses.
Sem ser um dos principais destinos da emigração nacional, também os Estados Unidos observam uma tendência crescente. Em 2004, o United States Citizenship and Immigration Services registou 1069 casos, em 2003 foram 822.
MINHOTOS LARGAM TUDO
No Minho, são inúmeras as pessoas, dos mais jovens aos adultos, determinadas em partir para o estrangeiro à procura de melhores condições de vida. Na maioria dos casos deixam família, amigos e o ambiente em que viveram desde que nasceram. Muitos sentem que de nada lhes vale o curso ou a formação profissional. Outros foram emigrantes durante muitos anos e voltaram ao país de origem, pensando que o regresso era definitivo. Mas não foi. Todos partilham um ponto: a crise destruiu-lhes a ilusão de triunfar em Portugal.
DECADÊNCIA NO VALE DO AVE
A crise no Vale do Ave há muito ultrapassou a especificidade da indústria têxtil. Joaquim Sousa Pereira, de 50 anos e residente em Ronfe, Guimarães, perdeu o emprego numa tecelagem e arranjou alternativa na construção civil. Há uma semana ficou novamente sem trabalho. “Por aqui não há nada para fazer, são mais as bocas que as nozes. Para sobreviver não vejo outro remédio senão emigrar”.
Uma opinião desencantada, subscrita a cem por cento pelo jovem Marco Aurélio, de Famalicão. Tem arranjado “empregos apenas por seis meses a um ano, porque as empresas não querem ninguém no quadro”. Com 25 anos e há dois meses sem trabalho, fala com tristeza. “Portugal já não é futuro para ninguém”.
Também em Braga as alternativas são escassas. Jorge Simões emigrou para França aos 17 anos e, depois de 35 anos a trabalhar lá, tentou instalar-se na sua terra natal, já casado e com duas filhas. No regresso esperançado, tentou de tudo – na construção e negócios por conta própria – mas teve de regressar a França.
José Carlos Martins tem 22 anos e nunca emigrou. Mas não esconde o desejo de ir para o estrangeiro. Trabalha atrás de um balcão, depois de ter tirado o curso de mecânico de frio na escola profissional. “Não dá para viver. Estamos sempre a contar trocos”. Vive em Sabariz, Vila Verde, com a mãe e duas irmãs (uma delas deficiente profunda). “Quase todos os jovens da minha terra emigraram”. Eduardo Silva, 18 anos, está em situação ainda pior. Encontra-se sem qualquer ocupação, depois de um ano a fazer trabalhos ocasionais. “Diziam-me que sem o 12.º ano não ia a lugar nenhum. Acabei-o e agora nem sequer emprego tenho”. O jovem de Monção reconhece estar a viver à custa da mãe. “Custa-me imenso, mas não estou a ver outra alternativa. É como ir para a forca, mas provavelmente vou ser obrigado a aventurar-me no estrangeiro”.
OS QUE FORAM
Mário José Marques, de 29 anos, trabalhava na agricultura e partiu para a Suíça há um ano. Deixou a mulher, grávida, em Portugal. Como outros, partiu de coração partido, afastado da família para poder sustentá-la.
Manuel Silva, 34 anos, é outro caso de iminente ‘deserção’. Após década e meia como locutor, vai ficar sem emprego, por ser um dos dispensados de uma rádio local cuja frequência foi adquirida por uma emissora nacional. O estrangeiro é a luz ao fim do túnel. A vontade de partir, porém, nasce apenas da impotência de ficar.
POR QUE VAMOS TRABALHAR LONGE DO NOSSO PAÍS?
"BICHINHO DE ÁFRICA" (Justiniano Carreira, 66 anos, Congo-Brazaville)
“Desde Setembro de 1954 praticamente tenho vivido sempre em África e quando surgiu esta proposta, há quatro anos, para emigrar para Brazaville, como encarregado de obras na construção do novo aeroporto internacional, o bichinho de África falou mais alto. Por outro lado, o ordenado também é muito melhor do que o que receberia em Portugal e a construção civil no nosso país está muito em baixo. A vida em Brazaville é bastante boa. Apesar de ser um país africano, é sossegado e a população não tem grandes carências.”
"ORDENADO COMPENSA" (Elsa Viegas, 31 anos, França)
“Estou a trabalhar em Paris há apenas três meses. Tinha trabalho em Portugal, onde trabalhava na Portugal Telecom, mas na minha área, consultoria de negócios de informática, há muitas oportunidades de trabalhar no estrangeiro, pelo que decidi experimentar viver fora do País. As maiores dificuldades que encontro são estar a viver longe da família e a língua francesa. Contudo, o ordenado é bastante superior ao que recebia cá. Outra vantagem é em termos de qualidade de vida, muito superior à existente em Lisboa.”
EMIGRANTES DE LUXO
MARIA DE MEDEIROS (Actriz, França)
Nascida em 1965, é a mais internacional das actrizes portuguesas. Participou, entre outros, em Pulp Fiction, de Tarantino.
CRISTIANO RONALDO (Futebolista, Reino Unido)
Eleito o melhor futebolista jovem do mundo, nasceu em 1985 no Funchal, Madeira. Actualmente é jogador do Manchester United.
PAULA REGO (Pintora, Reino Unido)
Nascida em 1935 em Lisboa, vive em Londres desde 1976. Entre outros, venceu o prémio Turner em 1989 (Londres).
ANTÓNIO DAMÁSIO (Professor, Estados Unidos)
Neurologista de profissão, dá aulas na Universidade de Iowa (EUA). Tornou-se famoso com o livro ‘O Erro de Descartes’.
DESEMPREGO ATINGE RECORDES
Desde 2001 que o números do desemprego não param de subir. O ano passado atingiu-se um triste recorde: 524 917 pessoas inscreveram-se nos centros de emprego. Um número que é o mais elevado de sempre na história contemporânea portuguesa.
No fim de 2004 estavam sem emprego 457 864 pessoas, cifra que já está desactualizada. Em Agosto (período em que, tradicionalmente, a taxa de desemprego sofre uma diminuição em virtude dos empregos sazonais) estavam registados nos centros de emprego 464 888 indivíduos, o que representou um acréscimo mensal de um por cento
e um aumento em termos homólogos de 3,4.
Esta situação vai agravar-se ao longo do próximo ano. Governo e instituições internacionais apontam para uma tendência de aumento do desemprego em Portugal, em contraciclo com a zona Euro. No final de 2006, a taxa de desemprego deverá fixar-se nos 7,6 por cento.
SABER MAIS
RETRATO
O Instituto Nacional de Estatística traçou, em 2003, o retrato dos emigrantes. Mais de 40 por cento são originários do Norte do País, maioritariamente jovens (15-29 anos), casados e 77,4 por cento não tem mais que o Ensino Básico.
FOLHETO
É hoje lançado um folheto ‘on-line’ dirigido aos emigrantes com informação diversa numa iniciativa da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. O folheto pode ser acedido através de:
www.dgaccp.pt/newsletter.
ESTATÍSTICAS
As estatísticas divulgadas pelo INE sobre a emigração e as divulgadas pelas entidades de estatística para onde se dirigem os emigrantes não coincidem. Em 2003, o INE revelou que 4785 partiram para a Suíça. Neste país deram entrada 8754.
João Saramago / Mário Fernandes, Braga