Energias renováveis
Na relação dos media com o público,
"a opinião é livre, os factos são sagradosOs e-mails e cartas dos leitores permitem questionar o jornal com olhares muito diferenciados. Um leitor especialista num assunto, ou de um determinado quadrante político, ou exercendo profissão num determinado domínio, pode levantar questões ou fazer precisões que, sem a sua intervenção, poderiam passar sem discussão. Por outro lado, a Internet permite hoje, mesmo a leitores que vivem em paragens longínquas, ler o jornal e também questionar o provedor, os jornalistas, mesmo os cronistas. Foi o que aconteceu com A. J. Seabra, residente nos EUA (Houston, Texas), que questionou um dado inserido num artigo de opinião "Muito me agrada relatar que a autora do artigo teve a gentileza de responder à minha mensagem e sobre o assunto trocámos correspondência. O artigo era assinado por Joana Amaral Dias. Sobre o assunto da minha mensagem original, gostaria de reafirmar a minha preocupação relativamente ao facto de, num jornal de referência como o DN, autores de artigos de opinião expressarem opiniões que fundamentam em dados cuja autenticidade não pode ser verificada. No referido artigo a autora escreve, e passo a transcrever 'E, enquanto em Espanha as energias renováveis não hidroeléctricas representam 20% do total da energia disponível no sistema, e na Alemanha 50%, Portugal fica-se pelos 1,5%.' Esta afirmação é muito significativa numa discussão sobre o panorama energético em Portugal e eu julgo que (...) é substancialmente errada. O meu pedido de clarificação da origem dos dados indicados ficou sem resposta. A autora indicou-me uns sítios na Rede mas não há lá nada que suporte as afirmações produzidas. Ora leitores menos atentos ou informados sobre o assunto ficarão convencidos de que haverá hoje disponíveis tecnologias que permitem à Alemanha produzir 50% das suas necessidades energéticas através do uso de fontes de 'energias renováveis não hidroeléctricas' e isso é totalmente falso."
Porque "a opinião é livre, mas os factos são sagrados", pedi um esclarecimento a Joana Amaral Dias. Esta considerou o questionamento inicial do leitor, num outro e-mail, como "agressivo", do que não posso discordar. E, sobre a origem dos seus dados, escreveu "Encontra neste artigo do DN, de 27 de Junho deste ano, o essencial de todos os dados que referi na dita crónica de 5 de Julho." E de facto, assim era os dados estavam numa peça do suplemento Negócios do DN, embora este não estivesse citado no artigo de opinião.
O suplemento Negócios não respondeu ao pedido de esclarecimento solicitado, o que retira a capacidade de avaliar, de modo mais preciso, as fontes que estiveram na origem dessa notícia e toda a sua contextualização. Também seria preciso esclarecer a expressão "energia disponível no sistema" que constava já no texto inicial. Mesmo assim, as consultas e leituras, bem como a ponderação de bom senso sobre os dados, leva a pensar que, de facto, as percentagens são excessivas. A cronista foi buscar aqueles dados ao DN, uma fonte, na qual, provavelmente, descansou, pois a informação deste jornal é, em geral, fiável. Terá o cronista, cuja obrigação primeira é emitir a sua opinião, de a sustentar em dados correctos? A resposta só pode ser afirmativa.
Mas tal resposta não afasta a dificuldade de encontrar as quantificações precisas, pois os números são uma realidade mais flutuante do que o seu estatuto "objectivo" parece sugerir. Mas, neste caso, o exagero da quantificação parece ser efectivo.
No sítio da União Europeia sobre Energia e Transportes (1) lê-se que o objectivo para 2010 é o de avaliar a possibilidade de passar de 6% para 12% a quota das energias renováveis no consumo total de energia da União Europeia (dos Quinze). Também no sítio da ONG European Nuclear Society (2) pode ver-se que, em 2003, só 3,5% da energia alemã, no máximo, tem fonte renovável (e para isto seria preciso incluir a energia hidroeléctrica), longe, portanto, dos 50% referidos. No relatório sobre energia da Comissão Europeia para 2003, a Alemanha aparece com um total de 2,8% no total de consumo de energias renováveis (biomassa e desperdícios, hidroeléctrica, geotérmica, eólica e solar), a Espanha com 6,6% e Portugal com 13,9% (3). Os dados da União Europeia incluem a energia hidroeléctrica na categoria das energias renováveis. Mesmo incluindo a energia hidroeléctrica, os dados nunca se aproximam dos divulgados no suplemento Negócios e depois retomados no artigo de opinião. Também António Vallera, professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a meu pedido, reagiu a estes dados "O artigo do suplemento económico está de facto escandalosamente errado, mas possivelmente apenas por gralha se estivesse escrito 2,0% e 5,0% em vez de 20 e 50% estaria provavelmente certo: é que nós estamos melhores globalmente nas renováveis que a Espanha e a Alemanha sobretudo por causa da grande hídrica (...) é frequente encontrarmos nos jornais enganos quantitativos nas ordens de grandeza, com erros que saltam à vista (...)."
2. Vale a pena deixar uma breve nota sobre as energias renováveis dada a importância para entendimento do problema assinalado. Segundo a Wikipédia (4) "A energia renovável é aquela que é obtida de fontes naturais capazes de se regenerar, e portanto virtualmente inesgotáveis, como, por exemplo o sol; energia solar; o vento: energia eólica; os rios e correntes de água doce: energia hidráulica; os mares e oceanos: energia mareomotriz; a matéria orgânica: biomassa e o calor da Terra: energia geotérmica. As energias renováveis são consideradas como 'energias alternativas' ao modelo energético tradicional, tanto por sua disponibilidade (presente e futura) garantida (diferente dos combustíveis fósseis, que precisam de milhares de anos para sua formação) como pelo seu menor impacto ambiental."
(1) http//www.europa.eu.int/pol /ener/index_pt.htm
(2) http//www.euronuclear.org /info/encyclopedia/p/pri-con-ger.htm
(3) http//europa.eu.int/comm /dgs/energy_transport/figures/
energy_review_2003/doc/part_2.pdf
(4) http//pt.wikipedia.org/
José Carlos Abrantes
e-mail
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