Haja decoro!
12 Agosto 2005 13:59
Sérgio Figueiredo
Haja decoro!
sf@mediafin.pt
--------------------------------------------------------------------------------
O título não é meu, tenho pena. Porque é forte e é assim. Falta mesmo vergonha na cara de muito boa gente. O apelo ao decoro nacional vem de um ministro. De um artigo de opinião, assinado num jornal de ontem pelo ministro das Obras Públicas. Dá gosto ver ministros a escrever artigos de opinião em jornais. É muito europeu. Tantos ministros. Tantos artigos. Tantas opiniões. No mesmo Governo. Nos mesmos jornais.
Então este, é especialmente bem escrito. Mário Lino tem jeito para a prosa. É uma virtude que terá adquirido na fase de administrador de jornais.
Agora a fase é outra. E a prosa é forte. Não é todos os dias que um ministro trata alguém de «indecoroso». A frontalidade é positiva. Este país vive com demasiados paninhos quentes.
E se Mário Lino pensa que os seus críticos são uns «mentirosos descarados», não é pelo facto de estar ministro que deve suavizar a linguagem.
Mas o que o irrita afinal? Os ataques às grandes obras públicas, sobretudo às «mais emblemáticas», como lhes chama. Encoleriza-o o facto de não serem «abundantes» as intervenções que ele considere «interessantes e estimulantes para o debate».
E que debate é esse? É «sobre as opções estratégicas do Governo». O «papel e a importância do investimento público para o relançamento da economia». Os «critérios de selecção dos projectos». E, voilá!, sobre «o impacto económico».
O ministro Lino, desde o «manifesto dos 13», demorou quinze dias para escrever a prosa de página e meia. Valeu a pena esperar este contra-ataque à «despudorada demagogia» e à «clara mistificação».
Sem papas na língua e com o dedo na ferida, denuncia as intenções dos críticos – actuam «essencialmente com o objectivo de dar combate político ao Governo». É assim mesmo!
Numa penada, o ministro Lino inclui no rol de inimigos políticos os perigosos economistas Silva Lopes e João Ferreira do Amaral, o suspeito vice-reitor da Univ. Nova de Lisboa e também a directora da Fac. de Economia da Católica. Afinal, é aqui que Cavaco tem agora a sua base instalada...
O ministro Lino tem uma prova definitiva sobre a «despudorada demagogia» dos ataques ao TGV e à Ota: é uma forma de boicote às «difíceis medidas que este Governo tem vindo a aplicar para proceder à necessária e urgente consolidação das contas públicas». Realmente, falta decoro!...
Com as forças de bloqueio desmascaradas, o ministro Lino também tem os argumentos «interessantes e estimulantes para o debate».
Sobre opções estratégicas, a ideia mais convincente: o «Governo continuará a cumprir o Programa com que se submeteu ao escrutínio dos portugueses». Indiscutível! Não fala do aumento do IVA, mas o artigo não é sobre fiscalidade.
Sobre o papel do investimento público na retoma, e depois de dedicar dois terços do texto ao novo aeroporto da Ota, realça que este está «essencialmente concebido como um projecto de investimento privado».
E os critérios de escolha? O impacto económico? Porque não se discutem? É o ministro que cala a sua própria indignação: só em Setembro e Outubro irá o Governo «proceder à divulgação da informação» de base para essa discussão. «Com verdade, convicção e determinação». O ministro Lino esqueceu-se de acrescentar o essencial: «e com decoro».
Sérgio Figueiredo
Haja decoro!
sf@mediafin.pt
--------------------------------------------------------------------------------
O título não é meu, tenho pena. Porque é forte e é assim. Falta mesmo vergonha na cara de muito boa gente. O apelo ao decoro nacional vem de um ministro. De um artigo de opinião, assinado num jornal de ontem pelo ministro das Obras Públicas. Dá gosto ver ministros a escrever artigos de opinião em jornais. É muito europeu. Tantos ministros. Tantos artigos. Tantas opiniões. No mesmo Governo. Nos mesmos jornais.
Então este, é especialmente bem escrito. Mário Lino tem jeito para a prosa. É uma virtude que terá adquirido na fase de administrador de jornais.
Agora a fase é outra. E a prosa é forte. Não é todos os dias que um ministro trata alguém de «indecoroso». A frontalidade é positiva. Este país vive com demasiados paninhos quentes.
E se Mário Lino pensa que os seus críticos são uns «mentirosos descarados», não é pelo facto de estar ministro que deve suavizar a linguagem.
Mas o que o irrita afinal? Os ataques às grandes obras públicas, sobretudo às «mais emblemáticas», como lhes chama. Encoleriza-o o facto de não serem «abundantes» as intervenções que ele considere «interessantes e estimulantes para o debate».
E que debate é esse? É «sobre as opções estratégicas do Governo». O «papel e a importância do investimento público para o relançamento da economia». Os «critérios de selecção dos projectos». E, voilá!, sobre «o impacto económico».
O ministro Lino, desde o «manifesto dos 13», demorou quinze dias para escrever a prosa de página e meia. Valeu a pena esperar este contra-ataque à «despudorada demagogia» e à «clara mistificação».
Sem papas na língua e com o dedo na ferida, denuncia as intenções dos críticos – actuam «essencialmente com o objectivo de dar combate político ao Governo». É assim mesmo!
Numa penada, o ministro Lino inclui no rol de inimigos políticos os perigosos economistas Silva Lopes e João Ferreira do Amaral, o suspeito vice-reitor da Univ. Nova de Lisboa e também a directora da Fac. de Economia da Católica. Afinal, é aqui que Cavaco tem agora a sua base instalada...
O ministro Lino tem uma prova definitiva sobre a «despudorada demagogia» dos ataques ao TGV e à Ota: é uma forma de boicote às «difíceis medidas que este Governo tem vindo a aplicar para proceder à necessária e urgente consolidação das contas públicas». Realmente, falta decoro!...
Com as forças de bloqueio desmascaradas, o ministro Lino também tem os argumentos «interessantes e estimulantes para o debate».
Sobre opções estratégicas, a ideia mais convincente: o «Governo continuará a cumprir o Programa com que se submeteu ao escrutínio dos portugueses». Indiscutível! Não fala do aumento do IVA, mas o artigo não é sobre fiscalidade.
Sobre o papel do investimento público na retoma, e depois de dedicar dois terços do texto ao novo aeroporto da Ota, realça que este está «essencialmente concebido como um projecto de investimento privado».
E os critérios de escolha? O impacto económico? Porque não se discutem? É o ministro que cala a sua própria indignação: só em Setembro e Outubro irá o Governo «proceder à divulgação da informação» de base para essa discussão. «Com verdade, convicção e determinação». O ministro Lino esqueceu-se de acrescentar o essencial: «e com decoro».