Ilusões e realidades
Ilusões e realidades
Teodora Cardoso
Exceptuando os lucros de alguns sectores ou empresas, todos demonstram a catástrofe que tem sido a política económica.
As perspectivas de emprego, de rendibilidade das empresas e de crescimento são, em conjunto, o critério que permite ajuizar do sucesso de uma economia e da política que a rege. Entre nós, se exceptuarmos os lucros de alguns sectores ou empresas, todas elas demonstram a catástrofe que tem sido a política económica portuguesa desde há um bom número de anos - na verdade desde que julgámos ter descoberto que a integração no euro e os fundos europeus bastavam para fazer de Portugal um país rico.
No final da década de 90 começou a ficar claro que tínhamos esgotado esse “modelo” - ou, com mais propriedade, os benefícios desse atavismo. Os equilíbrios macroeconómicos, que são um meio indispensável para um pequeno país assegurar o crescimento da economia e que julgáramos poder desprezar, transformaram-se em fins em si mesmos. Entrámos então na fase da austeridade e da retórica de que não podemos viver acima dos nossos meios. Desta, porém, apenas parecemos retirar a conclusão de que devemos reduzir o emprego, os salários e os benefícios sociais, e não a de que é necessário criar condições para gerarmos mais meios, não à custa do aumento das transferências europeias, mas da capacidade de as usar eficientemente.
A primeira condição para isso consiste em pôr termo aos subsídios e aos incentivos fiscais e trocá-los pela criação de condições que premeiem os que têm iniciativa, assumem riscos e vencem desafios. O problema com os subsídios e incentivos, tal como os temos concebido, resulta de eles serem a melhor ilustração possível da lei de Murphy. Na verdade, quando se verifica que se ganha mais cumprindo as formalidades (e as informalidades) necessárias para os obter do que gerando oportunidades de investimento competitivo, formando pessoal ou inovando processos e mercados, é evidente que as pessoas normais escolhem a primeira opção, garantindo que a possibilidade de algo correr mal se torna realidade.
A segunda condição implica alterações profundas ao enquadramento institucional da economia que, nomeadamente, facilitem a constituição e a dissolução de empresas e reduzam drasticamente a burocracia relacionada com a realização de qualquer investimento de razoável dimensão; eliminem as “rendas”, a “salvação” de empresas ineficientes e a complacência com o não cumprimento de obrigações fiscais e contratuais (começando pelo próprio Estado); garantam um sistema legislativo e judicial eficiente, que produza decisões expeditas e fiáveis; apoiem a cooperação tecnológica entre empresas, a informação e prospecção sobre mercados, fornecedores, etc., com políticas e apoios pro-activos em lugar da concessão de subsídios que rapidamente se transformam em rendas.
Levadas a sério, estas medidas conduzem à destruição de uma parte do tecido produtivo nacional, mas geram também a capacidade de atrair novos investimentos e o estímulo aos empresários para procurarem novos mercados e novas actividades, bem como para cooperarem entre si e para abrirem o seu capital, única forma de adquirirem a dimensão/especialização necessárias para competir num mercado mundial em que as actividades pouco intensivas em capital e em conhecimento vão inevitavelmente deslocar-se para países com salários muito mais baixos.
A opção de um país europeu não pode ser a de competir com esses salários nem com a ausência de garantias sociais que caracterizam esses países. Também não pode ser, porém, a de preservar a rigidez laboral, a ausência de qualificação e o abismo entre a precaridade da maioria dos novos empregos e a segurança insustentável dos antigos. Deles apenas resulta o desemprego e a exploração dos mais qualificados quando entram no mercado do trabalho, sejam quais forem as “garantias” legais ao emprego e os obstáculos aos despedimentos. A mudança deste estado de coisas exige que o Estado elimine as discriminações existentes, tome a seu cargo orientar o percurso profissional de quem procura emprego e melhore a igualdade de oportunidades no acesso a profissões onde os interesses corporativos continuam a impor limites inaceitáveis. O excesso de professores e a falta de médicos de clínica geral ilustram bem a incapacidade da gestão pública nesta área.
A lista de políticas indispensáveis para que Portugal saia do atoleiro económico em que caiu é mais longa e inclui um enquadramento macroeconómico estável. O que seguramente não inclui é a litania de mais medidas de austeridade em contraponto a mais incentivos e investimentos insuficientemente enquadrados e fundamentados, que, na melhor das hipóteses, se limitam a protelar o naufrágio. A ideia de que bastam as primeiras para assegurar os fundos europeus e de que, nas condições actuais, estes ainda são capazes de fazer crescer a economia é o pior erro em que podemos persistir.
Teodora-Cardoso@Netcabo.pt
Teodora Cardoso é economista
Teodora Cardoso
Exceptuando os lucros de alguns sectores ou empresas, todos demonstram a catástrofe que tem sido a política económica.
As perspectivas de emprego, de rendibilidade das empresas e de crescimento são, em conjunto, o critério que permite ajuizar do sucesso de uma economia e da política que a rege. Entre nós, se exceptuarmos os lucros de alguns sectores ou empresas, todas elas demonstram a catástrofe que tem sido a política económica portuguesa desde há um bom número de anos - na verdade desde que julgámos ter descoberto que a integração no euro e os fundos europeus bastavam para fazer de Portugal um país rico.
No final da década de 90 começou a ficar claro que tínhamos esgotado esse “modelo” - ou, com mais propriedade, os benefícios desse atavismo. Os equilíbrios macroeconómicos, que são um meio indispensável para um pequeno país assegurar o crescimento da economia e que julgáramos poder desprezar, transformaram-se em fins em si mesmos. Entrámos então na fase da austeridade e da retórica de que não podemos viver acima dos nossos meios. Desta, porém, apenas parecemos retirar a conclusão de que devemos reduzir o emprego, os salários e os benefícios sociais, e não a de que é necessário criar condições para gerarmos mais meios, não à custa do aumento das transferências europeias, mas da capacidade de as usar eficientemente.
A primeira condição para isso consiste em pôr termo aos subsídios e aos incentivos fiscais e trocá-los pela criação de condições que premeiem os que têm iniciativa, assumem riscos e vencem desafios. O problema com os subsídios e incentivos, tal como os temos concebido, resulta de eles serem a melhor ilustração possível da lei de Murphy. Na verdade, quando se verifica que se ganha mais cumprindo as formalidades (e as informalidades) necessárias para os obter do que gerando oportunidades de investimento competitivo, formando pessoal ou inovando processos e mercados, é evidente que as pessoas normais escolhem a primeira opção, garantindo que a possibilidade de algo correr mal se torna realidade.
A segunda condição implica alterações profundas ao enquadramento institucional da economia que, nomeadamente, facilitem a constituição e a dissolução de empresas e reduzam drasticamente a burocracia relacionada com a realização de qualquer investimento de razoável dimensão; eliminem as “rendas”, a “salvação” de empresas ineficientes e a complacência com o não cumprimento de obrigações fiscais e contratuais (começando pelo próprio Estado); garantam um sistema legislativo e judicial eficiente, que produza decisões expeditas e fiáveis; apoiem a cooperação tecnológica entre empresas, a informação e prospecção sobre mercados, fornecedores, etc., com políticas e apoios pro-activos em lugar da concessão de subsídios que rapidamente se transformam em rendas.
Levadas a sério, estas medidas conduzem à destruição de uma parte do tecido produtivo nacional, mas geram também a capacidade de atrair novos investimentos e o estímulo aos empresários para procurarem novos mercados e novas actividades, bem como para cooperarem entre si e para abrirem o seu capital, única forma de adquirirem a dimensão/especialização necessárias para competir num mercado mundial em que as actividades pouco intensivas em capital e em conhecimento vão inevitavelmente deslocar-se para países com salários muito mais baixos.
A opção de um país europeu não pode ser a de competir com esses salários nem com a ausência de garantias sociais que caracterizam esses países. Também não pode ser, porém, a de preservar a rigidez laboral, a ausência de qualificação e o abismo entre a precaridade da maioria dos novos empregos e a segurança insustentável dos antigos. Deles apenas resulta o desemprego e a exploração dos mais qualificados quando entram no mercado do trabalho, sejam quais forem as “garantias” legais ao emprego e os obstáculos aos despedimentos. A mudança deste estado de coisas exige que o Estado elimine as discriminações existentes, tome a seu cargo orientar o percurso profissional de quem procura emprego e melhore a igualdade de oportunidades no acesso a profissões onde os interesses corporativos continuam a impor limites inaceitáveis. O excesso de professores e a falta de médicos de clínica geral ilustram bem a incapacidade da gestão pública nesta área.
A lista de políticas indispensáveis para que Portugal saia do atoleiro económico em que caiu é mais longa e inclui um enquadramento macroeconómico estável. O que seguramente não inclui é a litania de mais medidas de austeridade em contraponto a mais incentivos e investimentos insuficientemente enquadrados e fundamentados, que, na melhor das hipóteses, se limitam a protelar o naufrágio. A ideia de que bastam as primeiras para assegurar os fundos europeus e de que, nas condições actuais, estes ainda são capazes de fazer crescer a economia é o pior erro em que podemos persistir.
Teodora-Cardoso@Netcabo.pt
Teodora Cardoso é economista