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Dois números e o seu significado

MensagemEnviado: 5/7/2005 2:22
por marafado
Dois números e o seu significado

Jorge A. Vasconcellos e Sá


Economist. 18/6/2005. Página 92. Traz dois números cuja importância requer uma leitura ponderada.

Primeiro: Gastos de saúde per capita (estudo da OCDE): entre 23 países, Portugal tem os valores mais baixos (menos de 2000 dólares), somando públicos e privados.

Pior que a Grécia, Espanha, etc. Certo que em % do PIB é maior que a Espanha (mas não a Grécia). Mas isso é consequência da inferioridade do PIB português. (Em limite se o PIB fosse zero e os gastos de saúde per capita um euro, os gastos de saúde em % do PIB seriam infinito...). Além de que o que verdadeiramente importa é o gasto por pessoa. Porque – salvo melhor opinião – os pobres, além dos ricos, também adoecem: as doenças não são monopólio dos prósperos.

Ora, não é demais chamar a importância para a baixa capitação de gastos com a saúde em Portugal: dela decorre p.e. o incentivo a um maior consumo de medicamentos (estes são o substituto para os cuidados médicos e hospitalares, sem os quais pura e simplesmente se... morre).

De facto, para os vários países da OCDE, a correlação entre gastos de saúde não farmacêuticos e o consumo de medicamentos (ambos per capita) é de - 0,7. Donde, quando o 1º cresce, o 2º diminui. E o mesmo se passa com camas hospitalares, % de trabalhadores na saúde, etc.: correlação negativa.

Em síntese, apesar do consumo de medicamentos per capita em Portugal ser inferior à média europeia, ele seria ainda mais baixo se Portugal não estivesse na cauda europeia em termos de gastos com a saúde, camas, empregados hospitalares, etc.

Segundo número (também da pp/ 92 do Economist): taxa de crescimento mundial em 2005 (52 países representando 90% do PIB mundial): 3,8%. Portugal? (previsão da UE: 2,2% (a preços constantes) ; OCDE? 0,7% (a preços constantes); FMI: 1,8% (a PPP)).

E segue. De acordo com Bruxelas, a UE-15 vai crescer mais (a PIB per capita PPP) 0,4% que Portugal em 2005. Em síntese, seja qual for o método de cálculo, o padrão de comparação e a fonte (OCDE, UE, FMI), Portugal cresce menos. Sempre.

Implicação? Quem disser que a crise portuguesa resulta da falta de dinamismo da economia externa, ou não sabe do que fala (o que é grave), ou então sabe do que fala mas... (e então ainda é mais grave).

Resultado? Com base nas 3 décadas desde Abril de 74, se as taxas de crescimento de Portugal e UE-15 se mantiverem no futuro, Portugal só chegará à média europeia dentro de 99 anos.

Contudo... isto é com base nos dados até 2005. Porque se se tomar em conta as taxas de crescimento até 2006, Portugal (e o seu governo) conseguem a proeza de passar a fasquia de um século: 106 anos, são agora necessários (e não 99) para se convergir com a média europeia. Note-se: média, não com os melhores países europeus... apenas com a média.

Moral da história? Como diz o sr. Presidente da República: “há vida para além do défice”. Uma pergunta: mas se há, onde está ela?