OPINIÃO Publicado 29 Junho 2005 13:59
Paulo Ferreira
Mistérios da bolsa
pferreira@mediafin.ptNão é normal que a cotação de uma empresa suba 11% num só dia sem que se olhe para o lado e não se encontre qualquer dado novo, ainda que seja sob a forma de rumor, que justifique essa escalada. Mas foi isso que aconteceu ontem com a Teixeira Duarte na bolsa de Lisboa. As acções da construtora estiveram imparáveis e com um volume de transacções quatro vezes superior ao que é habitual.
Será que houve centenas ou milhares de investidores que ontem acordaram bem dispostos, e sem saberem uns dos outros fizeram contas e concluiram que as acções da construtora estavam com um desconto fabuloso, desatando a comprar? Não, certamente.
Esticadas destas em preços de acções, sem informação que as justifiquem, não têm mais de duas explicações, ambas preocupantes.
Ou há alguém que tem uma estratégia própria para o título e capacidade financeira para fazer mexer as cotações desta forma vistosa; ou há alguém que sabe mais do que o mercado e tem boas razões para acreditar que a Teixeira Duarte vai rapidamente subir para pagar o seu investimento.
Há uma terceira explicação, mas já no reino da fantasia: a existência de um franco-atirador cheio de dinheiro que, por conta própria e acreditando no Pai Natal, decidiu apostar numa empresa.
Movimentos como este da Teixeira Duarte, que deixam o mercado a olhar para o lado à procura de explicações e que calam até o analista mais imaginativo na explicação do sobe e desce das cotações, emprestam mau nome a uma bolsa.
A Teixeira Duarte não é uma empresa de «vão de escada», com meia dúzia de acções emitidas e daquelas que transaccionam uma vez por mês.
É uma das maiores construtoras portuguesas, que integra com regularidade o grupo das maiores vinte empresas cotadas que compõem o índice PSI 20.
E é isto que assusta verdadeiramente. Se a possibilidade de manipulação de cotações existe com uma das maiores empresas cotadas, então só podemos ficar seriamente preocupados com as outras empresas, aquelas que aparecem com menos frequência nas páginas dos jornais.
Não é fácil pregar a entrada de pequenos investidores no mercado quando estas coisas, aparentemente inexplicáveis, acontecem. A menos que alguém goste de empurrar inocentes para a boca do lobo.
É verdade que a bolsa portuguesa é pequena, tem pouca profundidade, é excessivamente dominada por meia dúzia de títulos e com escassas opções de investimento. É uma bolsa à imagem do país. Nem melhor, nem pior.
Mas a sua pequena dimensão não pode servir de justificação para que se encolham os ombros a este tipo de puxadas de cotações e se siga em frente como se nada tivesse acontecido. E aqui têm a palavra a CMVM e a própria empresa, nem que seja para mostrarem ao mercado que nada de anormal se passou.
Uma coisa é a bolsa ser pequena. Outra, bem diferente, é não ter níveis aceitáveis de transparência. Sendo certo que sem transparência a bolsa nunca deixará de ser pequena.