A idiossincrasia da mediocridade
A idiossincrasia da mediocridade
Vítor Bento
Sob a capa moral da solidariedade, os portugueses têm uma enorme tendência para proteger os medíocres.
”... hoje ... o medo joga-se no enfrentamento possível da competitividade. ... O medo do rival, do colega, dos outros candidatos ao mesmo lugar... o medo de todos os outros. Medo extraordinariamente agravado pela subavaliação que o indivíduo faz de si mesmo, julgando-se sempre abaixo do nível exigido, nunca à altura do que se lhe pede. ... contribui também para que a incompetência aumente por falta de audácia, de coragem... O medo de ‘não estar à altura’ impera, arruinando as potencialidades criativas”
José Gil, Portugal Hoje: O Medo de Existir
Pode não se concordar com a totalidade das teses, nem com a articulação de todas as ideias apresentadas pelo filósofo José Gil na obra acima referenciada. Mas tem que se concordar, pelo menos, que ele identifica muito bem algumas das características negativas da identidade dos portugueses de hoje e que constituem uma séria limitação à sua capacidade competitiva e, consequentemente, à sua capacidade de afirmação no mundo. O medo, como ele o define – nomeadamente o medo de ”não se estar à altura” – e que se reflecte frequentemente num notório complexo de inferioridade repassa praticamente todos os estratos da vida nacional. Recorde-se, por exemplo, que, há cerca de quatro anos, Portugal não apresentou um candidato ao Conselho Executivo do BCE porque o governador do Banco de Portugal (candidato ”natural”) não estava disponível para o lugar e o Governo achou que o País não dispunha de mais nenhum candidato à altura (coisa que nenhum outro país admitiria!).
A inveja, o queixume e o ressentimento, com que muitos portugueses embrulham a pequenez de espírito e incapacidade de ousar e de assumir os riscos da sua individualidade, esgrimindo-as contra os que têm sucesso ou, mais simplesmente, contra os que se atrevem a sobressair da niveladora mediocridade, são outras dessas características negativas, e limitadoras, da nossa identidade colectiva.
Tenho para mim que um dos mais sérios efeitos colaterais do medo diagnosticado por José Gil – e que constitui talvez a maior praga idiossincrática contra a nossa capacidade competitiva – consiste na perversa solidariedade para com a mediocridade e os medíocres. Sob a capa moral da solidariedade para com os desvalidos, os portugueses têm uma enorme tendência para proteger os medíocres e os incompetentes, e que acaba por impedir (ou dificultar seriamente) a diferenciação e o estímulo da qualidade, da competência e da iniciativa criadora.
Tal atitude protectora – visível, nomeadamente, na acção de muitos sindicatos, sobretudo na área da função pública – acaba por promover o nivelamento rebaixado, face ao que deveriam ser as capacidades médias dos portugueses, e por dificultar a promoção da qualidade e, por conseguinte, da produtividade. A razão por que essa solidariedade perversa é tão assumida é, na minha opinião, precisamente o medo generalizado ”de se não estar à altura”. Isto é, a generalidade dos portugueses, em lugar de se assumirem normalmente como capazes e competentes, têm instilado, lá no seu íntimo, o receio de ”não serem capazes”, ou seja, de serem potenciais medíocres. Por isso, ao protegerem os medíocres e os incompetentes acham que estão, no fundo, a proteger-se a si próprios (por descrerem nas suas potencialidades).
Este é, em minha opinião, um dos factores que mais limitam a nossa capacidade de desenvolvimento e a expansão da nossa produtividade potencial. E que seria fácil de ultrapassar se os portugueses acreditassem um pouco mais em si próprios e nas suas capacidades. Se se considerassem, como norma, potencialmente competentes, em vez de potencialmente incompetentes.
Mas o mais grave é que esta idiossincrasia limitadora – descrente, ressentida, anti-competitiva e mediocrizante – se instalou no sistema de educação, pela mão dos ideólogos rousseauneanos que dele tomaram conta, e que, por conseguinte, vai continuar a coarctar o potencial de desenvolvimento pessoal das novas gerações.
Vítor Bento
Sob a capa moral da solidariedade, os portugueses têm uma enorme tendência para proteger os medíocres.
”... hoje ... o medo joga-se no enfrentamento possível da competitividade. ... O medo do rival, do colega, dos outros candidatos ao mesmo lugar... o medo de todos os outros. Medo extraordinariamente agravado pela subavaliação que o indivíduo faz de si mesmo, julgando-se sempre abaixo do nível exigido, nunca à altura do que se lhe pede. ... contribui também para que a incompetência aumente por falta de audácia, de coragem... O medo de ‘não estar à altura’ impera, arruinando as potencialidades criativas”
José Gil, Portugal Hoje: O Medo de Existir
Pode não se concordar com a totalidade das teses, nem com a articulação de todas as ideias apresentadas pelo filósofo José Gil na obra acima referenciada. Mas tem que se concordar, pelo menos, que ele identifica muito bem algumas das características negativas da identidade dos portugueses de hoje e que constituem uma séria limitação à sua capacidade competitiva e, consequentemente, à sua capacidade de afirmação no mundo. O medo, como ele o define – nomeadamente o medo de ”não se estar à altura” – e que se reflecte frequentemente num notório complexo de inferioridade repassa praticamente todos os estratos da vida nacional. Recorde-se, por exemplo, que, há cerca de quatro anos, Portugal não apresentou um candidato ao Conselho Executivo do BCE porque o governador do Banco de Portugal (candidato ”natural”) não estava disponível para o lugar e o Governo achou que o País não dispunha de mais nenhum candidato à altura (coisa que nenhum outro país admitiria!).
A inveja, o queixume e o ressentimento, com que muitos portugueses embrulham a pequenez de espírito e incapacidade de ousar e de assumir os riscos da sua individualidade, esgrimindo-as contra os que têm sucesso ou, mais simplesmente, contra os que se atrevem a sobressair da niveladora mediocridade, são outras dessas características negativas, e limitadoras, da nossa identidade colectiva.
Tenho para mim que um dos mais sérios efeitos colaterais do medo diagnosticado por José Gil – e que constitui talvez a maior praga idiossincrática contra a nossa capacidade competitiva – consiste na perversa solidariedade para com a mediocridade e os medíocres. Sob a capa moral da solidariedade para com os desvalidos, os portugueses têm uma enorme tendência para proteger os medíocres e os incompetentes, e que acaba por impedir (ou dificultar seriamente) a diferenciação e o estímulo da qualidade, da competência e da iniciativa criadora.
Tal atitude protectora – visível, nomeadamente, na acção de muitos sindicatos, sobretudo na área da função pública – acaba por promover o nivelamento rebaixado, face ao que deveriam ser as capacidades médias dos portugueses, e por dificultar a promoção da qualidade e, por conseguinte, da produtividade. A razão por que essa solidariedade perversa é tão assumida é, na minha opinião, precisamente o medo generalizado ”de se não estar à altura”. Isto é, a generalidade dos portugueses, em lugar de se assumirem normalmente como capazes e competentes, têm instilado, lá no seu íntimo, o receio de ”não serem capazes”, ou seja, de serem potenciais medíocres. Por isso, ao protegerem os medíocres e os incompetentes acham que estão, no fundo, a proteger-se a si próprios (por descrerem nas suas potencialidades).
Este é, em minha opinião, um dos factores que mais limitam a nossa capacidade de desenvolvimento e a expansão da nossa produtividade potencial. E que seria fácil de ultrapassar se os portugueses acreditassem um pouco mais em si próprios e nas suas capacidades. Se se considerassem, como norma, potencialmente competentes, em vez de potencialmente incompetentes.
Mas o mais grave é que esta idiossincrasia limitadora – descrente, ressentida, anti-competitiva e mediocrizante – se instalou no sistema de educação, pela mão dos ideólogos rousseauneanos que dele tomaram conta, e que, por conseguinte, vai continuar a coarctar o potencial de desenvolvimento pessoal das novas gerações.