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Belmiro e a bolsa

MensagemEnviado: 13/5/2005 14:40
por luiz22
13 Maio 2005 13:59
Paulo Ferreira
Belmiro e a bolsa
pferreira@mediafin.pt
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Primeiro é preciso dizer que o país seria diferente, para muito melhor, se em vez de um houvesse por cá 20 «Belmiros de Azevedo». Mas não é o tamanho nem o brilhantismo da obra que torna os homens perfeitos. E também o patrão da Sonae tem as suas contradições, muitas vezes expostas com a crueza e frontalidade que são uma das suas imagens de marca.
Belmiro voltou a dizer que em Portugal não há mercado de capitais. E é fácil ser-se tentado a concordar. Num ombro-a-ombro com qualquer dos países com os quais gostamos de nos comparar, a bolsa portuguesa sai a perder. Perde na dimensão, na profundidade, na liquidez, no número e diversidade das empresas cotadas, no número e sofisticação de investidores. Perde em tudo.

Nos últimos anos, foram muito mais as empresas que saíram do mercado do que as que entraram. E é por isso, como uma «pescadinha de rabo na boca», que a bolsa não cumpre devidamente a sua função de alavancar os investimentos, de ser a forma de financiamento empresarial mais barata e de promover o encontro entre quem tem excesso de dinheiro e quem precisa dele. Em suma, é por isto que «a bolsa não existe».

Mas Belmiro de Azevedo é, apesar de tudo, um dos empresários de primeira linha que tem das relações mais equívocas com o mercado de capitais.

As críticas de hoje, que repetem as de ontem, parecem esquecer que o Grupo Sonae é hoje o que é porque foi ao mercado de capitais, no glorioso final dos anos 80. Foi lá que Belmiro foi buscar milhões a pequenos investidores, para cada uma das suas empresas. E na altura houve mesmo o célebre caso das «7 OPV», que foram investigadas pelas Finanças e onde pairou a possibilidade de violação das normas do mercado então em vigor. Ou de utilização abusiva do mercado.

Depois disso, o Grupo Sonae tem sido mestre na gestão da entrada e saída de empresas do mercado. Já por diversas vezes, ao longo das duas últimas décadas, retirou empresas de cotação quando estavam baratas para voltar depois a vendê-las em oferta pública. Mais caras, obviamente.

E a fotografia do que é a presença actual do Grupo Sonae em bolsa também não é muito abonatória. Das quatro empresas cotadas, duas têm parcelas do capital disperso verdadeiramente ridículas: a Modelo Continente, com 1,94%, e a Sonae Indústria, com 2,98%. Outra, a Sonaecom, está menos mal, mas ainda assim não passa dos 17,5%. Apenas a «holding» do Grupo chega aos 40%, um valor aceitável.

De facto, assim não bolsa que resista. Porque sem acções dispersas não há mercado, confirmando a crítica de Belmiro de Azevedo.

Este é um tema em que o patrão da Sonae deveria seguir a célebre máxima de Kennedy, aqui adaptada, e perguntar o que é que ele pode fazer pelo mercado de capitais português, em vez de perguntar o que é que o mercado de capitais português pode fazer por ele.

É que a bolsa já fez muito por ele. É verdade que Belmiro criou condições para que assim fosse. Mas a bolsa e os seus investidores não deixaram de ser amigos e ajudaram decisivamente a fazer da Sonae o que ela hoje é.