Para onde vai a Portugal Telecom
Numa altura em que se prepara para comemorar dez anos de cotação em Bolsa, a empresa liderada por Miguel Horta e Costa enfrenta múltiplos desafios estratégicos.
Diogo Simão
ds@premio.pt
Tal como o sal está para os alimentos, a Portugal Telecom está para o mercado bolsista português. Com um peso de 19,4% no índice PSI-20, a operadora de telecomunicações é responsável por cerca 40% do valor negociado no mercado nacional. No entanto, apesar da elevada dimensão, o grupo liderada por Miguel Horta e Costa não está imune a problemas que afectam todas as organizações cotadas. No ano em que comemora o décimo aniversário da entrada na Bolsa de Lisboa, a operadora de telecomunicações enfrenta um dos períodos mais importantes da sua história. E o desfecho desses desafios vai-se repercutir nas cotações.
O primeiro passo da Portugal Telecom (PT) em bolsa aconteceu a 2 de Junho de 1995, e foi dado com o pé direito. No ano de admissão à cotação nas bolsas de Lisboa, Londres e Nova Iorque, a TMN lançou o primeiro telemóvel pré-pago do mundo - o MIMO - um serviço que foi decisivo na democratização do telemóvel a nível mundial. Esta capacidade de inovar marcou os primeiros anos da vida da operadora e levou o grupo para o inevitável caminho da internacionalização. Funcionando como «porta estandarte», a PT levou o nome de Portugal a nove países nos quatro cantos do mundo. E o seu trabalho foi reconhecido. A capacidade de gestão da administração da empresa tem sido enaltecida pelo mercado, especialmente pela forma como conseguiram construir um grupo com mais de 36 milhões de clientes e oferecer serviços de telecomunicações.
Mas se a PT oferece serviços de telecomunicações cada vez mais avançados aos seus clientes, também consegue dar retorno aos seus accionistas. No espaço de dez anos, a capitalização bolsista da PT passou dos 2,6 mil milhões para os 10,4 mil milhões de euros. E dos pequenos investidores que subscreveram as diversas fases de privatização da operadora, todos estão com retornos positivos.
Ano recorde
Em 2004, a Portugal Telecom registou um resultado líquido recorde de 500,1 milhões de euros, mais do dobro do registado no ano anterior. Impulsionados pelo negócio móvel (TMN e Vivo) e pela Multimédia, as receitas operacionais atingiram os 6.023 milhões de euros e os resultados operacionais rondaram os 1.369 milhões de euros, ambos os indicadores com crescimentos de 4,3%.
Assim, a subida dos lucros apenas foi possível devido à diminição dos custos com o programa de redução de efectivos (170,8 milhões em 2004 versus 314,1 milhões em 2003) e à utilização de créditos fiscais (que reduziu o imposto sobre rendimento a pagar ao Estado de 377,9 milhões de euros para 179,1 milhões de euros). No final, os analistas aplaudiram a performance da operadora, embora deixassem no ar dúvidas sobre os motores de crescimento da empresa.
Surpresa no fixo
O negócio da rede fixa continua a ser o que gera maiores proveitos dentro do grupo PT, tendo as vendas atingido os 2.124 milhões de euros em 2004. Apesar deste facto não ser novidade, a verdade é que o desempenho recente da PT Comunicações (PTC) tem surpreendido o mercado. Embora continue a assistir-se à «canibalização» pela rede móvel, a rede fixa brindou o mercado com uma quebra das vendas de apenas 0,7% em 2004 e uma subida de 2,2% do ARPU (receita média por cliente). O crescimento no negócio de banda larga e o incremento nos serviços prestados a outros operadores (wholesale) impulsionaram os resultados, tendo a PTC registado mesmo um acréscimo das vendas de 1% no quarto trimestre de 2004. No entanto, a Goldman Sachs estima que «estas melhorias, especialmente no wholesale, sejam insustentáveis». Os preços dos circuitos alugados diminuíram e os concorrentes da PT estão a efectuar uma maior utilização de infra-estruturas próprias.
A opinião do banco norte-americano é reforçada pelo Lehman Brothers: «Apesar da boa performance a nível das vendas, a tendência de quebra do negócio da rede fixa mantém-se». Depois de ter obrigado o Grupo PT a alargar os pontos de interconexão de banda larga da rede fixa, recentemente a Anacom reduziu o preço de instalação do lacete local (último troço da linha de telefone fixo junto da casa do cliente) de 92,12 euros para 38 euros e diminuiu a mensalidade a pagar pelos outros operadores de 11,96 euros para 9,76 euros. Estes valores estão abaixo da média praticada na União Europeia (58 euros na instalação e 11,06 euros na mensalidade), um facto que tem merecido críticas da administração da Portugal Telecom. «Não percebemos porque é que o regulador quer andar à frente, quando pode estabelecer tarifários idênticos à da média europeia», lamenta fonte da operadora. A verdade é que as novas condições estimulam a concorrência como nunca antes aconteceu, o que leva os analistas a prever uma quebra entre 10% e 20% da quota de mercado da PT na banda larga - actualmente de 90% - durante os próximos dois anos.
Contudo, a administração da empresa está moderadamente optimista face à performance da rede fixa nos próximos tempos. Primeiro, como salienta Miguel Horta e Costa, «o crescimento na banda larga mais do que está a compensar a quebra no negócio de voz da rede fixa». Depois, a redução das tarifas de interligação fixo-móvel permitirá reduzir os custos de telecomunicações. Estes efeitos, a par da redução de mil efectivos e do lançamento de novos produtos, devem permitir cumprir os objectivos da administração: preservar as margens operacionais e a geração de cash flow, ou seja, conseguir que o EBITDA se mantenha estável, ou mesmo que apresente um ligeiro crescimento em 2005.
PT «cash cow» Multimédia
A PT Multimédia (PTM) assume-se cada vez mais como o principal canal de crescimento do grupo, pelo menos em Portugal. O seu principal activo, a TV Cabo, continua a apresentar evolução invejável e a alimentar a performance operacional do grupo. No ano de 2004, a PTM aumentou em 10,4% as vendas devido ao crescimento das receitas nos segmentos de TV por subscrição, internet por cabo e publicidade. A subida das receitas, a par da política de controlo e redução de custos, permitiu aumentar em 42,3% o EBITDA e a sua margem de 19,7% para 26,3%.
No entanto, se a boa performance da PTM no curto prazo parece não estar em risco, o futuro do negócio está. O grupo PT controla tanto a rede de cabo como a de cobre (telefone) o que, segundo os seus concorrentes, viola as leis da concorrência. Alfredo Tennenbaum, analista do Commerzbank, explica que «esta é uma situação única na Europa» e que «nos outros países onde tal acontecia, o operador foi obrigado a vender uma das redes». No entanto, as recentes alterações efectuadas nos tarifários de desagregação do lacete local, tornam este hipótese cada vez mais remota. De acordo com o Millennium bcp Investimento, «a evolução ao nível da desagregação do lacete local poderá constringir para reduzir a pressão que tem sido feita sobre a PT no sentido de forçar a venda do cabo». No entanto, caso a Anacom ou a Comissão Europeia decidam que a PT tem de alienar um dos negócios, fonte da operadora realça que a opção passará por manter a rede fixa. «A rede fixa tem um potencial de utilização muito superior. Como a China optou por construir a sua rede de telecomunicações com base no cobre, os fornecedores de tecnologia centraram a sua pesquisa neste negócio», explica fonte da PT.
Mas se a probabilidade da PT manter as suas duas redes é elevada, a rendibilidade da operação do cabo pode ser ameaçada a médio-prazo. Os estudos para uma oferta triple play (televisão, voz e dados sobre a mesma rede) estão numa fase adiantada, podendo surgir no mercado português uma oferta durante os próximos meses. Esta situação canibalizará os preços praticados no mercado, provocando uma descida considerável das margens.
Para já, um dos problemas de rendibilidade da PTM parece estar em vias de resolução. Caso seja aprovada pela Autoridade da Concorrência, a venda dos activos de media à Olinveste - sociedade controlada por Joaquim Oliveira que detém 50% da SporTV e o jornal «O Jogo» - permitirá ao grupo «livrar-se» de um dos seus negócios menos rentáveis. E embora seja esperada um pequena repercussão da venda nos proveitos operacionais da PTM, ao nível do EBITDA o efeito será negligenciável. Por isso, a administração da PT estabeleceu como metas para a sua participada um crescimento de um dígito percentual elevado das receitas e um aumento de pelo menos 15% do EBITDA.
TMN em consolidação
No ano do Euro-2004, as receitas de exploração da TMN aumentaram 4,3% para 1.588 milhões de euros e o EBITDA cresceu 13,9% para 747 milhões de euros. A subida dos preços efectuada em Fevereiro e o tráfego gerado pelos 113 mil novos clientes mais do que compensou a quebra das tarifas de interligação e a descida de 3,4% da receita média por cliente. O exercício ficou marcado pela subida de 1,1% dos custos operacionais, situação motivada pela contabilização dos custos de angariação de clientes no próprio ano - como imposto pelas novas normas contabilísticas IFRS - em vez da sua amortização plurianual.
Mas se em 2004 foi possível apresentar um crescimento do negócio móvel em Portugal, o cenário a médio prazo não se afigura fácil. A descida das tarifas de interligação até 2006 - que colocará o valor cobrado entre as operadoras nos 10 cêntimos de euro- aumenta a pressão sobre o crescimento das receitas e do EBITDA. Para superar este efeito negativo, a TMN aposta no crescimento da receita por cliente. Para tal, Miguel Horta e Costa conta com um «aumento do prémio de mobilidade no mercado, o qual é um dos mais baixos da Europa, e com a melhoria da eficiência operacional do negócio». Esta estratégia pode ajuda a reduzir outro dos problemas que enfrenta o negócio móvel: o mercado está perto da sua maturidade, o que limita o potencial de crescimento da base de clientes.
Para já, a TMN está determinada no lançamento dos serviços de terceira geração (UMTS ou 3G). O seu plano de investimentos permite alargar a área coberta, o que se repercutirá no aumento da utilização da rede e dos clientes com acesso à nova tecnologia. Assim, a operadora móvel vai apostar no lançamento e dinamização de novos serviços, principalmente de dados. Com todas estas iniciativas, a administração liderada por Miguel Horta e Costa espera conseguir em 2005que as receitas cresçam um dígito e o EBITDA mais de 3%.
Brasil mais difícil
Ao contrário do que aconteceu nos últimos anos, a maior responsável pelo crescimento do EBITDA do grupo PT foi a actividade doméstica. Com a crescente concorrência no mercado de telecomunicações móveis brasileiro, suscitado pelos operadores TIM e Claro, as margens do negócio no Brasil seguem em queda, registando-se mesmo uma redução da capacidade de geração de cash-flow. A Vivo, joint-venture brasileira entre a PT e a Telefónica para as comunicações móveis, apresentou uma quebra de 4,3% do EBITDA em 2004, acompanhada pela redução de 16,8% da receita média por cliente (ARPU). Embora tenham sido captados cerca de seis milhões de novos clientes no último ano, a quota de mercado da Vivo desceu de 56,2% para 50,9% nas áreas onde opera.
O endurecimento das condições de mercado levou, em certa altura, Guy Peddy, analista do Deutsche Bank, a defender a alienação da posição de 50% que a PT detém na Vivo. Dado o elevado valor da participação e os primeiro sinais negativos da operação, este seria um bom momento para abandoná-la e realizar mais-valias. Contudo, esta visão não é partilhada pela operadora, que vê o Brasil como um mercado estratégico de grande potencial de crescimento. Segundo Zeinal Bava, administrador financeiro (CFO) da Portugal Telecom, «o Brasil terá 90 a 100 milhões de clientes móveis», face aos actuais cerca de 60 milhões. A administração da Portugal Telecom tem noção que as margens continuarão muito pressionadas no próximo ano, mas estima que se venham a manter estáveis em torno dos 30% a 35%, fruto de um aumento das receitas de um dígito. Para tal, a Vivo deverá concentrar-se no crescimento e na retenção dos clientes de maior valor. Caso estas medidas tenham sucesso, Miguel Horta e Costa defende que no espaço de dois anos será possível assistir-se a nova recuperação das margens para valores acima dos 40%.
Internacionalização crescente
Entretanto, o mercado pode assistir à entrada da Portugal Telecom no negócio da rede fixa no Brasil. Como salienta o presidente executivo da PT, «a entrada nas telecomunicações fixas permite reduzir os riscos do negócio». É que tal como em Portugal, a descida das tarifas de interligação fixo-móvel beneficiam as operações de rede fixa em detrimento da rede móvel, pelo que a detenção de activos em ambas as áreas neutralizaria os efeitos. Já a joint-venture Vivo, que pode ver parte do seu capital disperso em Bolsa, deve reforçar as posições nas empresas participadas de modo a aumentar a eficiência fiscal das operações.
Mas se o Brasil concentra muitas atenções, a verdade é que a Portugal Telecom está a fazer um esforço de diversificar as suas operações no estrangeiro. «Todas as semanas estudamos duas ou três oportunidades de negócio», revela fonte da operadora. Para já, a aposta principal está na entrada em força na China através da operação em Macau. A PT e a China Unicom estão a estudar o estabelecimento de uma parceria para a operadora móvel macaense CTM, em que a operadora portuguesa aumentará a sua participação de 28% para 45% do capital, controlando a empresa chinesa o restante. Este negócio pode permitir, numa segunda fase, a expansão para o mercado chinês continental, o qual apresenta elevado potencial de crescimento.
Enquanto a entrada na China não se materializa, a Portugal Telecom pretende dinamizar as operações que já detém no estrangeiro, nomeadamente a parceria com a Telefónica na operadora móvel marroquina Médi Telecom e a operação móvel Unitel em Angola. Este último negócio merece mesmo uma atenção especial de Miguel Horta e Costa: «Angola tem enorme potencial».
Dois anos difíceis
Dados os desafios estratégicos que a PT enfrenta, o futuro não se apresenta fácil. A descida das tarifas de interligação prejudicam o negócio móvel em Portugal, a fuga da rede fixa continua e o negócio de banda larga conta com competidores agressivos, a forte concorrência no Brasil continua a pressionar as margens e a televisão por cabo começa a denotar um abrandamento do crescimento. Tal como reconhece a PT, «estes factores fazem antever dois anos difíceis». Para minimizar os efeitos negativos, Miguel Horta e Costa vai focar as suas atenções «no aumento da eficiência e no controlo de custos». Assim, o CEO da PT espera conseguir manter o crescimento dos resultados e libertar «cash» para remunerar accionistas e efectuar investimentos. Em 2005, a PT estima investir 750 a 800 milhões de euros em bens de capital, sendo grande parte destinado à expansão do negócio de banda larga. Zeinal Bava estima que é possível a PT atingir um milhão de clientes de banda larga - entre cobre e cabo -, mais 250 mil do que o verificado no final de Fevereiro.
Mas se no curto prazo o cenário não é muito animador, a médio prazo a Portugal Telecom tem condições para triunfar. Primeiro, a definição de um quadro concorrencial pela Anacom, ainda este ano, reduzirá o risco em torno da empresa e permitirá estimar a previsível perda de quota de mercado do negócio de telecomunicações em Portugal. Segundo, a esperada recuperação das margens no Brasil vai assegurar o crescimento do grupo e libertar fundos que engrossem a remuneração aos accionistas. Terceiro, e último, a crescente internacionalização do grupo para novos mercado permitirá diversificar as fontes de receitas e ajudar a Portugal Telecom a aproximar-se das operadoras europeias de maior dimensão. Conforme salienta Maria Summavielle, analista da Caixa - Banco de Investimento, «apesar de não esperarmos notícias positivas para a PT no curto prazo, mantemos a nossa recomendação de acumular» para as acções. O aconselhamento da compra dos títulos da operadora portuguesa é efectuado por 48% dos analistas que acompanham a empresa, enquanto 16% recomenda a venda. Tendo por base as 25 recomendações de analistas, a Portugal Telecom é a 14.ª empresa de telecomunicações europeia mais recomendada pelos analistas, à frente de operadoras como a British Telecom ou a Tele2, mas atrás de nomes como a Vodafone, France Télécom ou Telefónica.
Remunar os stakeholders
Para atrair investidores, a PT aposta numa política agressiva de distribuição de resultados. A empresa prepara-se para pagar um dividendo de 0,35 euros relativo ao exercício de 2004, um valor que tem implícito uma dividend yield de 3,9%. Se tal não bastasse, a operadora pretende expandir o seu share buyback através da aquisição de mais 3% do capital. Esta operação surge depois do primeiro programa de recompra de acções próprias, que consistiu na aquisição de 10% das acções da operadora, que serão canceladas após a aprovação da assembleia geral de accionistas que decorre a 29 de Abril.
Mas se os accionistas merecem a atenção da administração da PT, o mesmo acontece com os outros stakeholders - pessoas e entidades que detêm relações com a empresa. No âmbito da sua estratégia de responsabilidade social, a operadora ofereceu diversas bolsas de estudo e material informático aos filhos de colaboradores. Mais: a PT tem em curso o programa PT Escolas, um concurso sobre a utilização da internet que vai permitir à escola vencedora receber um portátil para cada aluno, além de ligação de uma instalação Wi-fi e de outros equipamentos electrónicos de apoio à actividade lectiva. Este projecto tem um envolvimento pessoal de Miguel Horta e Costa, que o considera um dos mais importantes da sua presidência executiva. Resta saber se, depois da primeira edição, o actual CEO assistirá ao desfecho do concurso de 2006. É que o seu mandato termina no final do ano, e apesar da sua intenção em continuar, a «golden share» detida pelo Estado pode traçar-lhe um novo rumo. Seja qual for o desfecho, Miguel Horta e Costa fica para a história como o homem que materializou a expansão internacional da PT.