Pessimismo ou oportunidade?
Paula Carvalho, do Departamento de Estudos Económicos e Financeiros do BPI
Nos EUA, o cenário para o crescimento apresenta-se misto, com tendência de desaceleração. E quando o principal motor do crescimento mundial hesita, a reacção dos investidores não se faz esperar.
Pelo que assistimos, nas últimas semanas, ao aumento do pessimismo nos mercados financeiros, reagindo em excesso a informação pontualmente mais desfavorável.
De facto, parece-nos ainda prematuro descartar o cenário de crescimento/inflação em que se vinha apostando; ou seja, crescimento mais moderado, mas por outro lado, mais sustentado que no passado recente, possivelmente acima dos 3,5% este ano; inflação em lenta ascensão, mas sem perigo de que se venha a formar uma espiral inflacionista tradicional, via salários. Numa outra perspectiva, não existem motivos para a Reserva Federal alterar o passo, devendo prosseguir paulatina e ordeiramente na recolocação das taxas de juro directoras em patamares mais neutrais.
Fazendo o ponto da situação do andamento dos principais indicadores económicos, depois dos primeiros meses do ano com uma dinâmica significativa, a informação relativa a Março/Abril dá indícios de exaustão nos Estados Unidos, levando os investidores a temerem um arrefecimento mais sério da actividade do consumidor. Apesar de reconhecermos limitações e entraves à sustentação de elevados ritmos de crescimento pelas famílias norte-americanas, parece-nos precipitado afastar a hipótese de que esta seja apenas uma fase de abrandamento pontual. Pelo menos enquanto os indicadores do mercado de trabalho progredirem, reflectindo que a criação de emprego continua a um ritmo sólido. Por enquanto nada parece apontar para que se esteja a assistir ao início de uma nova tendência, como parecem deixar antever os mercados de crédito ou de acções, ainda que os riscos tenham aumentado. Por exemplo, relativamente ao mercado imobiliário, que tem gerado as maiores preocupações depois da queda abrupta do número de novas construções em Março, iremos provavelmente assistir a uma recuperação no mês seguinte. Aliás, os observadores chamam a atenção para uma correcção, depois da actividade de início do ano ter sido influenciada pela necessidade de reconstrução (na sequência das tempestades que assolaram o território americano na viragem do ano); adicionalmente, o clima muito adverso de Março, atípico para esta altura do ano, contribuiu também para gerar distorções que dificultam a análise dos dados.
De referir ainda o Livro Bege, publicado na passada quarta-feira pela Reserva Federal, que reflecte uma imagem bastante positiva da actividade económica. A economia continua a expandir-se, oscilando a caracterização pela maioria dos departamentos regionais da Fed entre crescimento sólido moderado e ritmo robusto. A actividade do retalho continua a crescer entre modesta e fortemente, e a actividade de manufactura está mais forte que no ano anterior. As notícias relativamente aos preços vêm também ao encontro das nossas previsões; cresce a pressão ascendente sobre os preços, ainda que até agora os aumentos concretos sejam moderados; a maior parte da pressão deriva dos custos energéticos, ainda que alguns citem a queda do dólar e também o aumento dos materiais de construção. Finalmente, é importante aferir que a maior parte das regiões reportaram um reforço do poder de imposição de preços por parte dos industriais, empresas de serviços e retalhistas. No entanto, só dois Estados em 50 afirmaram que os aumentos de preços foram suficientes para aumentar as margens ou os lucros.
Apesar desta visão relativamente optimista, o cenário não está isento de riscos, com destaque para as questões políticas, que influenciam os índices de confiança. De facto, à ameaça do choque petrolífero permanente, aliam-se agora as tensões entre a China e o Japão, que inevitavelmente vão dificultar que o entrosamento económico entre os dois gigantes asiáticos prossiga a bom ritmo; o crescendo de tensão entre a China e a UE motivada pela questão dos têxteis e pela possibilidade de a UE apelar às cláusulas de salvaguarda; e não esqueçamos a aproximação do referendo à Constituição Europeia em França, cujo desenlace poderá afectar seriamente a credibilidade da União Económica e Monetária (UEM) e do euro.
Paula Carvalho, do Departamento de Estudos Económicos e Financeiros do BPI
Nos EUA, o cenário para o crescimento apresenta-se misto, com tendência de desaceleração. E quando o principal motor do crescimento mundial hesita, a reacção dos investidores não se faz esperar.
Pelo que assistimos, nas últimas semanas, ao aumento do pessimismo nos mercados financeiros, reagindo em excesso a informação pontualmente mais desfavorável.
De facto, parece-nos ainda prematuro descartar o cenário de crescimento/inflação em que se vinha apostando; ou seja, crescimento mais moderado, mas por outro lado, mais sustentado que no passado recente, possivelmente acima dos 3,5% este ano; inflação em lenta ascensão, mas sem perigo de que se venha a formar uma espiral inflacionista tradicional, via salários. Numa outra perspectiva, não existem motivos para a Reserva Federal alterar o passo, devendo prosseguir paulatina e ordeiramente na recolocação das taxas de juro directoras em patamares mais neutrais.
Fazendo o ponto da situação do andamento dos principais indicadores económicos, depois dos primeiros meses do ano com uma dinâmica significativa, a informação relativa a Março/Abril dá indícios de exaustão nos Estados Unidos, levando os investidores a temerem um arrefecimento mais sério da actividade do consumidor. Apesar de reconhecermos limitações e entraves à sustentação de elevados ritmos de crescimento pelas famílias norte-americanas, parece-nos precipitado afastar a hipótese de que esta seja apenas uma fase de abrandamento pontual. Pelo menos enquanto os indicadores do mercado de trabalho progredirem, reflectindo que a criação de emprego continua a um ritmo sólido. Por enquanto nada parece apontar para que se esteja a assistir ao início de uma nova tendência, como parecem deixar antever os mercados de crédito ou de acções, ainda que os riscos tenham aumentado. Por exemplo, relativamente ao mercado imobiliário, que tem gerado as maiores preocupações depois da queda abrupta do número de novas construções em Março, iremos provavelmente assistir a uma recuperação no mês seguinte. Aliás, os observadores chamam a atenção para uma correcção, depois da actividade de início do ano ter sido influenciada pela necessidade de reconstrução (na sequência das tempestades que assolaram o território americano na viragem do ano); adicionalmente, o clima muito adverso de Março, atípico para esta altura do ano, contribuiu também para gerar distorções que dificultam a análise dos dados.
De referir ainda o Livro Bege, publicado na passada quarta-feira pela Reserva Federal, que reflecte uma imagem bastante positiva da actividade económica. A economia continua a expandir-se, oscilando a caracterização pela maioria dos departamentos regionais da Fed entre crescimento sólido moderado e ritmo robusto. A actividade do retalho continua a crescer entre modesta e fortemente, e a actividade de manufactura está mais forte que no ano anterior. As notícias relativamente aos preços vêm também ao encontro das nossas previsões; cresce a pressão ascendente sobre os preços, ainda que até agora os aumentos concretos sejam moderados; a maior parte da pressão deriva dos custos energéticos, ainda que alguns citem a queda do dólar e também o aumento dos materiais de construção. Finalmente, é importante aferir que a maior parte das regiões reportaram um reforço do poder de imposição de preços por parte dos industriais, empresas de serviços e retalhistas. No entanto, só dois Estados em 50 afirmaram que os aumentos de preços foram suficientes para aumentar as margens ou os lucros.
Apesar desta visão relativamente optimista, o cenário não está isento de riscos, com destaque para as questões políticas, que influenciam os índices de confiança. De facto, à ameaça do choque petrolífero permanente, aliam-se agora as tensões entre a China e o Japão, que inevitavelmente vão dificultar que o entrosamento económico entre os dois gigantes asiáticos prossiga a bom ritmo; o crescendo de tensão entre a China e a UE motivada pela questão dos têxteis e pela possibilidade de a UE apelar às cláusulas de salvaguarda; e não esqueçamos a aproximação do referendo à Constituição Europeia em França, cujo desenlace poderá afectar seriamente a credibilidade da União Económica e Monetária (UEM) e do euro.