
Enviado:
13/4/2005 15:15
por marafado
Colunistas > 2005-04-13 13:59
O FMI e a globalização financeira vista como um presente perigoso para os EUA
Helena Garrido
O mundo está mais globalizado. O relatório da Primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI), ontem parcialmente divulgado, tem este ano um capítulo dedicado à globalização dos mercados financeiros.
Numa das ópticas de análise, olha para a evolução dos activos estrangeiros detidos pelos países, verificando-se que, desde 1990, mais do que triplicou o investimento financeiro no exterior medido em percentagem do PIB. Os gráficos são exponenciais quando recuam aos anos 80.
Em 2007, os investidores dos países industrializados detinham 36 biliões de dólares de activos estrangeiros (acções e obrigações), quando em 1980 esse valor ficava-se pelos 2,2 biliões de dólares. Nas economias emergentes, esses valores passaram de 114 mil milhões em 1980 para 1,8 biliões em 2003.
Os EUA são, desde os anos 80, o grande investidor no estrangeiro, detendo em média 25% dos activos financeiros externos detidos pelos investidores dos países industrializados, com flutuações correlacionadas com a história das euforias e pânicos das bolsas. Os investidores que estão, em termos relativos, mais fechados, são os japoneses, que não recuperaram da sua crise dos anos 90, e os britânicos.
Com este elevado grau de integração financeira do mundo, especialmente nos países industrializados, o FMI conclui que é natural que se criem mais desequilíbrios externos, quer no sentido do excedente como do défice. E que os países se aguentam assim, em desequilíbrio, mais tempo que no passado.
O défice externo dos EUA é a grande preocupação de referência na análise do FMI. E, embora deixe a mensagem positiva, ao afirmar que hoje o défice dos EUA é mais sustentável que no passado, não deixa de alertar para os perigos desta maior integração financeira. Assim como há mais milhões aplicados, também haverá mais milhões a fugir para casa.
Mordomos, padeiros e capitalistas?

Enviado:
13/4/2005 15:14
por marafado
Mordomos, padeiros e capitalistas?
Robert J. Schiller*
A revolução comunista, que atravessou os séculos XIX e XX, visou, antes de mais, concentrar o capital sob a batuta do Estado.
Mais tarde, perto do final do século XX, uma nova revolução abalou o mundo, cujos valores mostraram ser ideologicamente opostos. Esta pautou-se pela dispersão máxima do capital e pelo envolvimento de todos na qualidade de proprietários.
Actualmente, a contra-revolução em causa aproxima-se da sua lógica extrema – se todos podem ser proprietários, então, todos podem ser capitalistas, do barbeiro ao empregado de mesa, passando pelo varredor de rua. Eis-nos a braços com um novo fantasma. Desta feita, o sonho de democratizar, verdadeira e plenamente, o capitalismo. Transformar-nos a todos em capitalistas será, contudo, tão inverosímil quanto o sonho comunista, que pretendia fazer de todos operários socialistas empenhados.
O interesse pela vertente obscura dos princípios financeiros sempre foi apanágio daqueles que têm especial fascínio por tabelas aritméticas e pelo estudo de fórmulas matemáticas. Vezes há em que tais indivíduos alcançam a riqueza – o que leva a pensar que seria extraordinário se todos o conseguissem. Todavia, a multiplicidade de talentos encerra, também, numerosos pontos fracos e diferentes predilecções psicológicas, pelo que tal meta se torna impossível de alcançar.
O novo espírito do capitalismo democrático não se rege, porém, pelos mesmos padrões e mobiliza toda uma panóplia de símbolos. Não obstante a descrição escolhida, o certo é que se tem generalizado a ideia de que as massas devem ascender a proprietários. No Reino Unido, por exemplo, Tony Blair defende a lógica de ”uma nação de aforradores e titulares de acções”, razão que levou muitos a rotular os seus planos de ”políticas à base de acções” – uma expressão que conquistou maior popularidade desde a publicação, em 1991, da obra ”Assets and the Poor: A New American Welfare Policy”, da autoria de Michael Sherraden. Nos EUA, o presidente George W. Bush apelida o seu sonho de ”sociedade proprietária”. Em 2004, o Congresso Nacional do Povo Chinês passou a definir os empresários e os proprietários individuais como ”construtores da causa socialista”, incluindo-os na Frente Patriótica Unida.
Os governos de todo o mundo despendem avultadas somas na regulamentação e controlo dos seus mercados de acções para que os investidores individuais corram menos riscos e para que desenvolvam maior interesse pelos mercados em questão. Paralelamente, procuram incrementar o financiamento ao sector imobiliário, a fim de expandir a habitação própria. Fala-se, inclusive, na possibilidade de cada indivíduo poder manter as suas contribuições para a segurança social sob a forma de contas poupança-reforma, para o sistema de saúde mediante contas poupança-saúde e para a educação através de contas poupança-educação e ”cupões escolares”.
Trata-se de uma tentativa real de revolução e não de um regresso aos primórdios do capitalismo, de experimentar novos cenários recorrendo a novas instituições económicas e a uma abordagem criativa nunca antes usada. O conceito genérico de ”propriedade” não constitui, por si só, um roteiro para uma nova economia de sucesso. Além do mais, existe toda uma miríade de interpretações sobre como conduzir a dita revolução. No fundo, as revoluções são ”tubos de ensaio”, experiências e aventuras acidentadas.
Algumas das novas políticas são, pois, exemplares. O governo trabalhista de Tony Blair tem vindo a implementar um plano que permitirá instituir, a partir deste mês de Abril, um Fundo de Poupança para Recém-nascidos, que prevê entre 250 e 500 libras para cada criança. As contribuições estarão isentas de impostos e os pais poderão, inclusive, escolher a aplicação a dar ao investimento feito no Fundo. O objectivo destes incentivos passa, assim, por ”encorajar pais e filhos a desenvolver hábitos de poupança e a envolver-se com instituições financeiras”.
Estamos a falar de um plano bem concebido e em pequena escala, com baixos custos para o governo: 500 libras, ainda que seja um investimento a 20 anos, não retirarão ninguém da pobreza. A verdadeira meta do fundo de aforro será educar os cidadãos sobre as diferentes formas de investimento. Ora, trata-se de um bom começo, especialmente se a política de Blair for também adoptada noutros países. No entanto, outras propostas podem acarretar maiores riscos, designadamente a privatização das pensões de reforma, que começa a ser discutida em numerosos países e que alguns já colocaram em prática, como acontece no Reino Unido, Chile, Suécia e México, pelo menos parcialmente.
O plano de Bush para reformar o sistema de segurança social norte-americano – mais concretamente as intenções tornadas públicas – representa o auge da revolução proprietária. Os jovens dos EUA que optarem por este regime poderão, no futuro, quando se reformarem, converter grande parte dos benefícios das pensões convencionais em contas pessoais e aplicá-los em diversos investimentos, nomeadamente acções. Os benefícios agregados ao sistema tradicional serão, assim, insuficientes para sobreviver, pelo que os reformados ficarão à mercê dos mercados em relação ao grosso dos seus rendimentos.
É impossível prever as consequências desta iniciativa, uma vez que a experiência de cada país não constitui um guia objectivo para um novo sistema – os resultados nunca são os mesmos em ambientes diferentes. Um sistema de segurança social privatizado, como aquele que George W. Bush propõe, pode ter excelentes resultados, desde que as pessoas correspondam ao esperado e/ou o mercado de acções se mantenha estável.
Todavia, os riscos são muito maiores devido à tendência inata do ser humano em extrapolar antigos retornos. Os investidores poderiam, então, dar origem a uma bolha no mercado de acções, que iria, por sua vez, encorajar os investidores mais ingénuos a concentrar as suas contas pessoais de reforma no mercado de acções, o que os exporia perigosamente aquando do seu rebentamento.
Não esquecer que há também o risco das contas privadas poderem provocar uma quebra acrescida nos níveis de poupança pessoal. A taxa de poupança é o fluxo sanguíneo de todas as economias, visto os países estrangeiros não poderem financiar ad eternum o capital de investimento. A conversa sobre prodigiosos retornos pode dar azo ao que os psicólogos apelidam de ”desequilíbrio da racionalização do desejo” e levar as pessoas a acreditar que as suas contas pessoais serão de tal forma valiosas, no futuro, que não precisam de fazer poupanças paralelas.
Encorajar o capital proprietário pode resultar na aplicação de boas políticas. Mas quereremos estender tais políticas a áreas tão sensíveis como as pensões, a saúde e a educação? Vendo bem, deter capital – em acções ou bens imobiliários – comporta riscos. Razão por que os países capitalistas instituem garantias de protecção ao risco através de redes de segurança convencionais.
As revoluções são, sem dúvida, extraordinárias, todavia, devemos assegurar que, depois da poeira assentar e das barricadas virem abaixo, teremos para onde regressar.
* Professor de Economia na Universidade de Yale e autor de ”Exuberância Irracional” e ”The New Financial Order: Risk in the 21st Century”.
Tradução Ana Pina