Sérgio Figueiredo
Porque cai o dólar?
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Confrontados com os lamentos sobre a queda do dólar, os americanos reagiam: «o dólar é a nossa moeda, mas o problema é vosso». A resposta não é de agora, mas de 1971. E é atribuída a um político, John Connally, na época o secretário do Tesouro de Nixon. O dólar continua a ser a moeda dos EUA, mas a queda persistente da sua taxa de câmbio não constitui uma dor de cabeça apenas para os outros.
É também um problema dos Estados Unidos.
Na época de Nixon, eles exerciam um poder monopolista de emissão de moeda, porque fixavam unilateralmente a paridade do dólar face ao ouro e, por arrasto, face às restantes divisas.
Mesmo com o colapso do padrão-ouro, a hegemonia era garantida pelos elevados graus de liquidez e de integração dos seus mercados financeiros. Franco suíço, iene ou marco alemão, moedas ligadas a mercados sem profundidade, não conseguiam rivalizar sequer com a sombra do dólar.
Sucede que, a partir de 1991, o euro mudou esta constelação. Além da dimensão geográfica, a moeda europeia começou a ganhar relevância económica.
Países não-alinhados, com a China à cabeça, adoptaram, ou anunciam a intenção de adoptar, o euro como taxa de câmbio de referência para as suas moedas. Outras nações, sobretudo produtoras de petróleo, anunciam a intenção de cotar as suas exportações na moeda europeia.
Dito de outra forma, está em causa o papel do dólar como única reserva cambial e como principal divisa para o comércio internacional.
Existe hoje um consenso no sistema financeiro internacional de que a queda abrupta do dólar deve ser evitada. Já se conhecem as razões dos europeus: quanto mais fraco estiver o dólar, menos capacidade exportadora têm a Alemanha e outras economias que precisam do estímulo externo.
Japão e China não desejam igualmente o crash do dólar. Os japoneses, como principais credores dos EUA, por serem os que mais investiram em activos americanos. A China também não, pelo menos enquanto não trocar por petróleo, matérias-primas ou outras divisas, parte significativa dos dólares que acumula em reservas.
O contraste entre a realidade e os desejos de ministros e de banqueiros centrais é, contudo, abissal. E as explicações que se procuram para o facto de o dólar cair, quando todos querem que ele suba, são ainda mais extraordinárias.
A justificação de um fenómeno serve, dias depois, para explicar o seu contrário. O que a Fed ou BCE podem fazer. A estatística importante que acaba de sair. A inflação que surgiu com mais umas décimas do que os analistas previam.
Procura-se nos fundamentos económicos dos dois blocos a razão para a queda do dólar. Mas a economia não tem sido suficiente para dar a explicação sólida, muito menos coerente. A queda do dólar é umfenómeno porventura mais fácil de entender através das tais tendências de fundo, algumas de natureza geo-estratégica, que estão a reduzir o papel do dólar na economia global.
O que perverte a arrogância do senhor Connally e de todos os secretários do Tesouro que o sucederam: o dólar é do mundo, mas o problema é americano.