Off -topic - Adorei este artigo
publicado num jornal. Como Nortenho gostava de saber quem vai ser o herói da Direita ou esquerda que se vai abilitar de ir ao nosso BOLHÃO.
Aqui vai o artigo " No bolso do avental às flores, onde ‘Mariazinha das Sócias’ guarda o dinheiro, não se ouve o habitual tilintar das moedas. Não há fregueses nem turistas à vista. As mãos sapudas arrumam limões e couves lombardas viçosas que deixam no ar um leve aroma de campo. Nem precisava de se dar ao trabalho. A banca dela é uma das mais arrumadas e coloridas do Bolhão. “Não consigo estar parada”, diz em voz sumida enquanto anda de um lado para o outro, a tiritar de frio. Esta manhã, ainda ninguém lhe ouviu da boca os afamados pregões apimentados. A vendedora, de 64 anos, murcha como uma alface de várias semanas, é a sombra daquela velha gaiteira que pôs o circunspecto Cavaco Silva a dançar uma modinha. “Durante as campanhas eleitorais, fazíamos a festa, mandávamos os foguetes e apanhávamos as canas”, recorda com um brilhozinho nos olhos. Mariazinha confessa não resistir a um homem bem vestido e bem-falante, mesmo que não seja um Adónis. “Era por ser tão quente e fogosa que acabei por ter onze filhos”, suspira.
Por Cavaco foi amor à primeira vista. Quando o ex-primeiro-ministro veio ao Bolhão, em vésperas das legislativas de 1991, ficou em pulgas. Esperou impacientemente que o político desse os beijinhos, abraços e palavras de conforto da praxe a peixeiras e criancinhas. Mal se aproximou da banca, Mariazinha de coração alvoraçado furou o cordão de jornalistas e seguranças, brandindo uma vassoura na mão. “Ele pensou que lhe ia bater”, lembra-se entre as duas primeiras gargalhadas do dia. Antes do candidato laranja ter tempo para se recompor, já estava agarrado à vendedora e à dita vassoura. “Pus-me a cantar uma marcha do Bolhão. Ele alinhou na brincadeira e revelou-se até um bom dançarino.”
No final, teve direito a palmas e a um xi-coração do amado professor. “Este ano não vou repetir a graça. Estou farta de políticos. Vêm para aqui antes das eleições prometer mundos e fundos. Depois esquecem-se de nós”. A mulher nascida na Campanhã, que se gaba de vender no mercado já quando andava na barriga da mãe, volta aos afazeres. Uma freguesa apressada quer levar umas cebolas para o almoço. “Ai lindinha! Estas foram acabadinhas de apanhar”, diz afectuosamente. O famoso sentido de humor regressara.
ATACADO POR LARANJAS
O Mercado do Bolhão é um local de peregrinação obrigatória para qualquer político que se preze. E, verdadeiro barómetro de popularidade. Homens de fato e gravata, educados em universidades de elite, que gostam de usar palavras caras, querem ouvir o que o povo tem para lhes dizer. Pedincham uns votos, em troca de aventais, autocolantes e canetas de cores garridas. Mas de tempos a tempos, têm uma surpresa desagradável e ouvem o que não querem.
No mítico e temível corredor das peixeiras folionas, já se perderam muitas eleições antes da contagem final dos votos. “Elas são todas PPD”, afiança com notória má-língua, Maria Madalena, 74 anos, também ela social--democrata convicta. A vendedora de produtos agrícolas, de pele rosada e muitos cabelos brancos, recorda-se da recepção hostil a Manuela Eanes, em 1987, quando o Partido Renovador Democrático era ainda um bebé na incubadora. “Foi xingada, assobiada. As peixeiras chamaram-lhe todos os nomes e mais alguns.” A mulher natural de Gaia assistiu a tudo da sua banca do primeiro piso como se tivesse num camarote. Jura não ter participado no festival de asneiras e impropérios, mas não se esquece da imagem da mulher do ex-Presidente da República a fugir da multidão enraivecida. “Coitada, nunca mais cá voltou.”
As peixeiras mais antigas dizem não se lembrar desse caricato episódio. “Aqui recebemos bem toda a gente”, afiança Alice, 54 anos, que corta um peixe-espada em pedaços simétricos para o interior de um saco de plástico. Os carapaus e sardinhas, acabados de pescar, são alvo de cobiça de uns poucos clientes que se acotovelam com sofreguidão. Mas puxando um pouco pela cabeça, tira do baú da memória o célebre dia em que Mário Soares teve pior sorte do que Manuela Eanes: levou com um vendaval de laranjas na cabeça. “Eram tempos de crise, nos anos 80”, justifica a matrona bem-disposta, concentrada na tarefa rotineira. “Ele estava a pedi-las.”
Uns anos mais tarde, durante as presidenciais, Soares seria recompensado com o carinho das gentes do Norte. “O ‘bochechas’ foi levado em ombros pelo mercado. Desde então tem sido sempre bem recebido.”
Alice recusa-se a seguir as duas regras de ouro da patroa, que não quer conversa fiada sobre política e futebol no apertado cubículo a tresandar a peixe. No seu ‘gabinete de trabalho’ não faltam cachecóis azuis-e-brancos pendurados e posters descoloridos do fê-cê-pê. “Quem devia concorrer às próximas eleições deveria ser o ‘pintinho’. Tinha logo maioria absoluta”, assevera brandindo um facalhão ensanguentado a sete ventos. As colegas riem-se das tiradas. Estão habituadas. Ela cai em si e confessa em tom mais intimista: “Antigamente, era pagode todos os dias. Trabalhava-se e brincava-se. Até nos mascarávamos no Carnaval. Mas as mulheres da minha geração foram morrendo. Isto perdeu um pouco da graça ”.
QUEM VAI SER O PRÓXIMO A LEVAR COM TOMATES OU LARANJAS ......
Aqui vai o artigo " No bolso do avental às flores, onde ‘Mariazinha das Sócias’ guarda o dinheiro, não se ouve o habitual tilintar das moedas. Não há fregueses nem turistas à vista. As mãos sapudas arrumam limões e couves lombardas viçosas que deixam no ar um leve aroma de campo. Nem precisava de se dar ao trabalho. A banca dela é uma das mais arrumadas e coloridas do Bolhão. “Não consigo estar parada”, diz em voz sumida enquanto anda de um lado para o outro, a tiritar de frio. Esta manhã, ainda ninguém lhe ouviu da boca os afamados pregões apimentados. A vendedora, de 64 anos, murcha como uma alface de várias semanas, é a sombra daquela velha gaiteira que pôs o circunspecto Cavaco Silva a dançar uma modinha. “Durante as campanhas eleitorais, fazíamos a festa, mandávamos os foguetes e apanhávamos as canas”, recorda com um brilhozinho nos olhos. Mariazinha confessa não resistir a um homem bem vestido e bem-falante, mesmo que não seja um Adónis. “Era por ser tão quente e fogosa que acabei por ter onze filhos”, suspira.
Por Cavaco foi amor à primeira vista. Quando o ex-primeiro-ministro veio ao Bolhão, em vésperas das legislativas de 1991, ficou em pulgas. Esperou impacientemente que o político desse os beijinhos, abraços e palavras de conforto da praxe a peixeiras e criancinhas. Mal se aproximou da banca, Mariazinha de coração alvoraçado furou o cordão de jornalistas e seguranças, brandindo uma vassoura na mão. “Ele pensou que lhe ia bater”, lembra-se entre as duas primeiras gargalhadas do dia. Antes do candidato laranja ter tempo para se recompor, já estava agarrado à vendedora e à dita vassoura. “Pus-me a cantar uma marcha do Bolhão. Ele alinhou na brincadeira e revelou-se até um bom dançarino.”
No final, teve direito a palmas e a um xi-coração do amado professor. “Este ano não vou repetir a graça. Estou farta de políticos. Vêm para aqui antes das eleições prometer mundos e fundos. Depois esquecem-se de nós”. A mulher nascida na Campanhã, que se gaba de vender no mercado já quando andava na barriga da mãe, volta aos afazeres. Uma freguesa apressada quer levar umas cebolas para o almoço. “Ai lindinha! Estas foram acabadinhas de apanhar”, diz afectuosamente. O famoso sentido de humor regressara.
ATACADO POR LARANJAS
O Mercado do Bolhão é um local de peregrinação obrigatória para qualquer político que se preze. E, verdadeiro barómetro de popularidade. Homens de fato e gravata, educados em universidades de elite, que gostam de usar palavras caras, querem ouvir o que o povo tem para lhes dizer. Pedincham uns votos, em troca de aventais, autocolantes e canetas de cores garridas. Mas de tempos a tempos, têm uma surpresa desagradável e ouvem o que não querem.
No mítico e temível corredor das peixeiras folionas, já se perderam muitas eleições antes da contagem final dos votos. “Elas são todas PPD”, afiança com notória má-língua, Maria Madalena, 74 anos, também ela social--democrata convicta. A vendedora de produtos agrícolas, de pele rosada e muitos cabelos brancos, recorda-se da recepção hostil a Manuela Eanes, em 1987, quando o Partido Renovador Democrático era ainda um bebé na incubadora. “Foi xingada, assobiada. As peixeiras chamaram-lhe todos os nomes e mais alguns.” A mulher natural de Gaia assistiu a tudo da sua banca do primeiro piso como se tivesse num camarote. Jura não ter participado no festival de asneiras e impropérios, mas não se esquece da imagem da mulher do ex-Presidente da República a fugir da multidão enraivecida. “Coitada, nunca mais cá voltou.”
As peixeiras mais antigas dizem não se lembrar desse caricato episódio. “Aqui recebemos bem toda a gente”, afiança Alice, 54 anos, que corta um peixe-espada em pedaços simétricos para o interior de um saco de plástico. Os carapaus e sardinhas, acabados de pescar, são alvo de cobiça de uns poucos clientes que se acotovelam com sofreguidão. Mas puxando um pouco pela cabeça, tira do baú da memória o célebre dia em que Mário Soares teve pior sorte do que Manuela Eanes: levou com um vendaval de laranjas na cabeça. “Eram tempos de crise, nos anos 80”, justifica a matrona bem-disposta, concentrada na tarefa rotineira. “Ele estava a pedi-las.”
Uns anos mais tarde, durante as presidenciais, Soares seria recompensado com o carinho das gentes do Norte. “O ‘bochechas’ foi levado em ombros pelo mercado. Desde então tem sido sempre bem recebido.”
Alice recusa-se a seguir as duas regras de ouro da patroa, que não quer conversa fiada sobre política e futebol no apertado cubículo a tresandar a peixe. No seu ‘gabinete de trabalho’ não faltam cachecóis azuis-e-brancos pendurados e posters descoloridos do fê-cê-pê. “Quem devia concorrer às próximas eleições deveria ser o ‘pintinho’. Tinha logo maioria absoluta”, assevera brandindo um facalhão ensanguentado a sete ventos. As colegas riem-se das tiradas. Estão habituadas. Ela cai em si e confessa em tom mais intimista: “Antigamente, era pagode todos os dias. Trabalhava-se e brincava-se. Até nos mascarávamos no Carnaval. Mas as mulheres da minha geração foram morrendo. Isto perdeu um pouco da graça ”.
QUEM VAI SER O PRÓXIMO A LEVAR COM TOMATES OU LARANJAS ......