Investigação inserida no PRograma Atitudes Sociais dos portugueses
Portugueses casados dizem-se mais felizes que a média europeia
Inquérito realizado no âmbito de uma investigação internacional apresenta dados curiosos sobre os portugueses: os casais inquiridos demonstram atitudes modernistas, e até se declaram mais felizes que a média dos europeus inquiridos, mas a prática revela uma divisão tradicional de tarefas. E os jovens portugueses, dos 18 aos 29 anos, são quem mais sofre de stress...
21-01-2005, Luísa Rego
A ideia de que os portugueses são, na Europa, dos que se declaram mais felizes, só é verosímil para os que vivem em casal. Por outro lado, as mulheres portuguesas, juntamente com as espanholas, são as que acusam um maior nível de stress na relação trabalho-família. Apesar disso, em Portugal, o casamento é um assunto muito mais central para os homens do que para as mulheres, as quais privilegiam a possibilidade de ter crianças. Surpreendido(a)?
Fique ainda com outra ideia: as mulheres são sistematicamente mais modernistas, em todos os indicadores sociais, que os homens. Apesar disso, o mundo não é cor de rosa. Mulheres e homens portugueses, na faixa dos 18 aos 29 anos, são os que acusam os índices mais elevados de stress família-trabalho, face a outros países da Europa.
Nesta altura estará o(a) leitor(a) a duvidar da isenção deste artigo - mas não se justifica. Os dados referidos foram divulgados num Seminário realizado em Lisboa, na semana passada, e na exposição então feita, entre outras, pela investigadora do ICS, Sofia Aboim.
Em termos globais, e ainda que custe a acreditar, o “grau de felicidade com todos os aspectos da sua vida” é bastante elevado entre os homens e as mulheres portuguesas, sobretudo casados (conforme os dados apresentados no Seminário pela investigadora Maria das Dores Guerreiro, que expôs dados com variáveis recodificadas, para cruzar com o índice de stress). As coisas mudam porém de figura quando nos reportamos à população em geral (ver texto da pág. 5).
De resto, os cidadãos britânicos são os que revelam maior índice de satisfação global (5.64 para os homens e 5.53 para as mulheres, numa escala de 1 a 7). Mas, nos casados, tanto os homens como as mulheres portuguesas, respectivamente com 5.59 e 5.46, estão claramente acima da média dos sete países europeus auscultados (Alemanha Ocidental, Grã-Bretanha, Suécia, República Checa, Espanha, França e Portugal). À partida, estes resultados fazem presumir que, se calhar, os portugueses não são tão pessimistas ou não andam tão deprimidos como se pensa.
Maria das Dores Guerreiro tem interpretação diferente. Lembra que a recolha dos dados foi feita em 2002 e que nos últimos tempos o País tem estado a mudar: “temos levado banhos sucessivos de pessimismo. Houve uma série de sinais de tensão, do género: “estamos pobres, estamos numa situação difícil, vem aí o Código de Trabalho”..., e houve um período de inversão de atitudes. Realizado há dois anos, o Inquérito talvez tenha o efeito de uma onda mais optimista que estávamos a viver. Depois disso, e face a outros países, quando olhamos para a vida profissional, já estamos um pouco mais abaixo, e na vida familiar até “parece bem” dizer que há justiça. De alguma maneira não damos conta dos problemas que temos em casa, na vida privada. Mas os homens surgem sempre com posições superiores face às mulheres. E é quando se fazem perguntas que não pedem directamente para que as pessoas falem da sua satisfação, felicidade e dos problemas que têm quando chegam a casa, que surgem os tais índices de stress”… salienta a investigadora.
De acordo com as conclusões da investigadora do ICS, Karin Wall, “os portugueses combinam atitudes menos conservadoras em relação à divisão do trabalho pago e não pago, com atitudes muito conservadoras em relação ao impacto do emprego feminino nos cuidados maternos e na vida familiar.”
Entre os países analisados, o nosso é aquele que se mostra “mais conservador no que diz respeito às atitudes face ao impacto do trabalho feminino sobre a maternidade e a família”.
Mais de 90 % concorda que marido e mulher devem ambos contribuir para o rendimento da família, e uma esmagadora maioria (75%) concorda com a ideia de que a melhor maneira de uma mulher ser independente é ter um emprego. Sobre o exercício da maternidade, as respostas ganham um tom mais tradicionalista. Do total, 78% acha que uma criança pequena (com menos de seis anos) sofre quando a mãe trabalha e uma percentagem significativa (43%) acha que existindo uma criança pequena, a mãe devia ficar em casa, enquanto percentagem semelhante (46%) acha que ela devia trabalhar a tempo parcial (só 12% responde “a tempo inteiro”).
Outro aspecto do conservadorismo luso fica patente quando a questão é saber o quão gratificante é desempenhar tarefas domésticas. Mais de metade dos homens (55%) e quase metade (47%) das mulheres acha que ser dona de casa é tão gratificante como ter um emprego. Isto leva a coordenadora do estudo, Karin Wall, a concluir que Portugal é mesmo “o país mais conservador de todos no que diz respeito às atitudes face ao impacto do trabalho feminino sobre a maternidade e a família, conjuntamente com os países do alargamento, a Espanha e a Suíça”.
Relativamente à gestão do tempo e à tensão que gera, é maior a percentagem de mulheres portuguesas (79%), face aos homens (67%) que declaram não ter tempo para tudo, havendo muito a fazer em casa. É esse porventura o principal motivo pelo qual elas se mostram mais tensas que eles quando estão em casa (55% dos homens dizem raramente sentir-se tensos em casa, face a 41% de mulheres a responderem desse modo).
No trabalho profissional, homens (82%) e mulheres (79%) têm muito que fazer. Mas mais mulheres que homens (60% vs 40%) dizem sentir-se particularmente cansadas, e com mais dificuldade em concentrar-se, quando chegam ao emprego, pelo peso da vida familiar e doméstica. Finalmente, a participação dos homens no trabalho doméstico (em tempo) também aumenta à medida que piora a sua inserção no mercado de trabalho (desemprego, reforma): mais trabalho fora de casa, menos trabalho em casa e vice-versa. Países do Sul são execepção.
Metodologia e universo da análise
O Seminário de apresentação e discussão dos resultados da investigação, efectuada no âmbito de projecto integrado no programa Atitudes Sociais dos Portugueses, coordenado por Manuel Villaverde Cabral e Jorge Vala (na foto) reuniu, a 14 de Janeiro, algumas dezenas de investigadores no auditório do Instituto de Ciências Sociais(ICS), da Universidade de Lisboa. Uma das investigadoras,
Sofia Aboim, destacou “a ambiguidade muito frequente” que atravessa alguns dos dados obtidos no Inquérito “Família e Papéis de Género”, coordenado por Karin Wall, do ICS, e Lígia Amâncio, do ISCTE, a nível nacional. Esta investigação tem o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), tendo o inquérito sido aplicado em 2002 - também em cerca de trinta países do mundo - a 1092 indivíduos, numa amostra aleatória e probabilística representativa da população com 18 anos, ou mais, residente no continente. Alemanha Ocidental, Grã-Bretanha, Suécia, República Checa, Espanha, França e Portugal foram os países que “cruzaram” dados, para três conjuntos de objectivos: análise das atitiudes (papéis
de género e vida familiar), análise de práticas conjugais e análise da conciliação entre vida profissional e vida familiar e do stress associado à conciliação(
www.isc.ul.pt).
Elas medianamente satisfeitas com o trabalho, eles pouco felizes
Os dados destes dois quadros, que resultam do trabalho que vem sendo desenvolvido no âmbito do programa Atitudes Sociais dos Portugueses, dizem respeito ao total da população e, segundo a investigadora Maria das Dores Guerreiro “apresentam as tendências habitualmente encontradas noutros anos e noutros inquéritos: Portugal tem dos índices de satisfação mais baixos, o que tende a ser interpretado por vários autores como estando associado ao nosso fraco desenvolvimento”.
Contudo, quando neste inquérito em particular se trabalha apenas com a população activa, casada, nota-se um aumento grande do grau de satisfação em geral, o mesmo não acontecendo tão fortemente nos restantes países.
De acordo com a socióloga, “o que os gráficos mostram é que os homens portugueses estão em 4º lugar na satisfação com o trabalho, e as mulheres, um pouco mais insatisfeitas do que eles, estão em 5º lugar, tendo atrás de si as mulheres checas e espanholas”. Já no que respeita à satisfação com a vida em geral, constata-se que estamos também nos lugares derradeiros. Mais insatisfeitos do que os homens portugueses, apenas os checos. E mais insatisfeitas do que as portuguesas, neste conjunto de países, também não há”.