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O verdadeiro ‘crash-test’ à política económica de Bush

MensagemEnviado: 17/1/2005 15:47
por marafado
O verdadeiro ‘crash-test’ à política económica de Bush

J. Bradford DeLong*


Há quinze anos, os Estados Unidos viviam a plenitude da chamada “Era das Expectativas Reduzidas”.

Os ganhos da produtividade haviam estagnado, os preços da energia disparado e o manancial das tecnologias nascidas após a Grande Depressão estava esgotado. Para a maioria dos economistas, tudo apontava que os benefícios das economias de escala levariam, num futuro próximo, a uma desaceleração do crescimento económico. Nessa altura, fazia todo o sentido que, após duas décadas de estagnação na produtividade, se alertasse para o peso excessivo dos compromissos sociais (segurança social, Medicare e Medicaid) e para a necessidade de reequacionar os mesmos.

Então, eram esses os factos. Hoje, pouco diferem. Nos últimos anos, a inovação tecnológica ganhou novo ímpeto e colocou os níveis de crescimento económico dos EUA próximos dos registados antes da recessão. No entanto, apesar da sua economia atravessar, actualmente, uma revolução bio e nanotecnológica impõe-se, ainda e sempre, redimensionar os compromissos sociais dos EUA.

Possivelmente, os actuários da segurança social ainda não se aperceberam do verdadeiro impacto dessa revolução tecnológica, todavia, foi esta que exponenciou a dimensão do sistema que a administração norte-americana está disposta - e pode - financiar. Há quinze anos, todos concordavam que o sistema de segurança social dos EUA estava em crise e devia ser redimensionado. Hoje em dia, os seus problemas podem comparar-se a “um pneu furado que vai perdendo ar”. Eis a metáfora usada por Peter Orszag, economista na Brookings Institution, para explicar que é um problema que deve ser resolvido e que, não sendo particularmente difícil de resolver, não é, de todo, premente fazê-lo.

Assim sendo, porque perde a administração Bush tempo e energia a transformar as mudanças no sistema de Segurança Social na imagem de marca das suas reformas nacionais, senão mesmo na sua única iniciativa de política interna? Nenhum analista verdadeiramente preocupado com a situação orçamental dos EUA coloca na sua lista de prioridades a revisão do sistema de segurança social. O principal problema é, sim, saber como gerir a evolução do défice, no médio prazo, depois da redução de impostos decidida pela administração Bush ter agravado ainda mais o panorama orçamental, que ameaça minar o crescimento económico do país.

A segunda prioridade passa por descobrir o que fazer, a longo prazo, com o Medicare e o Medicaid. Os EUA têm de definir o formato dos seus programas de saúde pública e os meios necessários para os financiar. Ou seja, têm diante de si a oportunidade para actuar. No fundo, se as exigências de hoje não forem compatíveis com as de amanhã, então, não será possível prever com rigor os défices orçamentais derivados dos planos de saúde.

A terceira prioridade implica disciplinar o orçamento da administração norte-americana de uma forma sustentável, para que o sistema de segurança social se possa auto-financiar e honrar os compromissos assumidos após 2020, data a partir da qual deixará de poder recorrer ao ‘Trust Fund’ da Segurança Social.

Resumindo, embora o financiamento a longo prazo do sistema de segurança social seja um problema real, este só se colocará, de facto, num futuro mais ou menos longínquo. Até lá, existem problemas bem mais prementes que a administração terá de resolver. É o caso do ‘General Fund’, que deve ser constituído e consolidado até 2020, dos planos de saúde Medicare e Medicaid, que podem ou não ser viáveis, e do défice orçamental, que ameaça contrair ainda mais o crescimento económico.

Chegou, assim, o momento do verdadeiro ‘crash-test’ à política económica de Bush. Por ora, circulam três teorias sobre as razões que levam a actual administração norte-americana a concentrar-se na segurança social. A primeira é, muito simplesmente, por incompetência. Bush e acólitos são incapazes compreender a magnitude e importância dos restantes problemas orçamentais do governo federal. A segunda teoria desenvolve-se em torno da ideologia. Por razões que se desconhecem, a administração Bush insiste em subestimar as vitórias das instituições nascidas do ‘New Deal’ preconizado por Franklin Roosevelt. A terceira tem contornos de subserviência burocrática. Ou seja, se a principal meta da lei Medicare Drug Benefit, de 2003, era fomentar os lucros das farmacêuticas, então, a proposta para a reforma da segurança social, neste mandato, terá, sem dúvida, em mente os interesses de Wall Street.

Confesso que não vislumbro quaisquer outras reformas urgentes na agenda da administração Bush, como o tão necessário aumento dos impostos sobre os rendimentos para financiar a segurança nacional, por exemplo. Se tivesse de apostar numa destas teorias, escolheria a primeira, a incompetência, uma vez que me parece ser o denominador comum de todas as políticas orquestradas pelo actual inquilino da Casa Branca.

* Professor de Economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e antigo secretário de Estado do Tesouro na administração Clinton.