Caldeirão da Bolsa

Ministério da desburocratização - Mário Negreiros

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Ministério da desburocratização - Mário Negreiros

por Tiger » 14/1/2005 15:56

Mário Negreiros
Desburocratizar
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Será que o país que faz um escândalo deste tamanho com um mergulho privado de um ministro em viagem oficial é o mesmo que, todos os dias, transforma quilómetros e quilómetros de passeios públicos em estacionamentos privados?
O palavrão é horrível, o risco de se tornar mais um monstrengo a alimentar-se de nós não é desprezível mas talvez valesse a pena tentar criar um Ministério (sim, mais um Ministério): o da Desburocratização. Contradição em termos? Talvez sim, à primeira vista - afinal, qualquer ministério será sempre uma estrutura burocrática e, em princípio, quando o que se pretende é reduzir a burocracia não faz muito sentido começar por criar mais burocracia. Esse raciocínio é perfeitamente linear mas a realidade, nem sempre - às vezes, é preciso usar o fogo para se apagar incêndios.

No Brasil a experiência foi feita e, em parte por méritos do titular da pasta, Hélio Beltrão, o Ministério da Desburocratização foi, com uma estrutura mínima e barata, uma poderosa lufada de ar fresco num país que, naqueles anos 80, ainda vivia sob ditadura-militar. E não será exagero dizer que esse ministério foi parte fundamental do processo de democratização do país - como se sabe, a burocracia é um dos instrumentos essenciais a qualquer ditadura.

É inútil pensar que partirá dos burocratas das Finanças, por exemplo, a desburocratização das repartições de Finanças, não porque eles sejam mauzinhos, nem porque haja em Portugal uma indústria de dificuldades para a venda de facilidades, e sim porque para eles, que lidam todos os dias com aquilo, tudo lhes parece perfeitamente normal, simples e até lógico. O problema é que, com o tempo, qualquer estrutura organizacional acaba por criar uma lógica própria, às vezes inacessível a quem chega de fora, ou mesmo desconectada da realidade externa. Além disso, os funcionários das Finanças (ou de qualquer outra repartição pública) têm sempre mais o que fazer do que propor mudanças de procedimentos que tornem a vida das pessoas mais simples. Não é isso que se espera deles.

A criação de um Ministério da Desburocratização teria, desde logo, o mérito de criar expectativas e apontar os nomes a quem cobrar o seu cumprimento. Do desempenho do ministro da Desburocratização não haveria nada a avaliar além do sucesso na racionalização das exigências burocráticas. Exigências que muitas vezes se entrecruzam, envolvendo diferentes instâncias, organismos, repartições, competências, às vezes redundantes, às vezes contraditórias, frequentemente kafkianas, sempre caras aos cidadãos e às empresas e nem por isso mais eficazes naquilo que, supostamente, pretendem - a ordenação, a fiscalização, o rigor. Por isso, só uma estrutura externa a todas essas instâncias, organismos, etc teria meios de enfrentar a burocracia na sua horizontalidade.

A burocracia é, reconhecidamente, uma das chagas de Portugal. Compromete a competitividade, favorece a discricionariedade e a corrupção, fragiliza o cidadão frente ao Estado (a própria democracia, portanto) e inferniza-nos a vida. E, no entanto, não me parece que seja um dos temas eleitorais em voga.

PS: Será que o país que faz um escândalo deste tamanho com um mergulho privado de um ministro em viagem oficial é o mesmo que, todos os dias, transforma quilómetros e quilómetros de passeios públicos em estacionamentos privados?
Tiger

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