O regresso dos sandeus
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O regresso dos sandeus
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O regresso dos sandeus
07/01/2005 14:02
O regresso dos sandeus
No PSD, começa a divisar-se os afastamentos esquivos de alguns, ainda não há muito, ardorosos defensores de Santana Lopes. Uma santanete, conhecida por mudar de cor de cabelo como de ideias gerais, já começou a arranhar o amo, depois de ter dito, em pífia locução metafórica, que o homem não tinha lepra.
Na Primeira República, àqueles chamavam «adesivos»: emergem como tortulhos e colam-se ao prato, logo-assim vislumbrem quem se amesenda. Os segundos, sem vocação para mártires mas com bossa para sempre-em-pé, são os «pragmáticos»: possuem um forte sentido de perceptibilidade, abandonam os que lhes ofereceram as lentilhas, e estão rasgadamente «disponíveis» para servir outro amo.
Quem é que pode ou quem é que vai acreditar numa choldra deste jaez e estilo? Depois, a lista de deputados do PS e do PSD devolve-nos a imagem de dois partidos ancilosados no compromisso clientelar. O caso Pôncio Monteiro é exemplo indecoroso. A balbúrdia prossegue: Cavaco não quer nada com Santana. Nem em retrato. E o País é esta pouca vergonha.
Em qualquer das listas há gente de bem; em ambas estão amigos meus - mas é impossível endireitar a sombra de uma vara torta. Recorro aos «Diálogos», de Frei Amador Arraes: «O governador, primeiro, se deve a si rectificar, e depois ao seu povo; que de outra maneira haver-se-á como quem quer endireitar a sombra de uma vara torta».
Os partidos «de poder» estão exaustos. Nada têm feito de significativamente bom: nada o farão. Nasceram deformados, pelas imperfeições dos seus dirigentes.Mário Soares ainda não há muito tempo o disse. Sá Carneiro havia-o previsto. Ambos presumiam que a democracia formaria democratas; quer-se dizer: de gente com espírito de missão, disposta a servir e não a servir-se. Esqueciam-se de que apenas o civismo, a educação pela sociedade [António Sérgio], a subordinação dos interesses às necessidades [Raul Proença], removeriam as ambições dos sandeus. Os sandeus aí estão.
Os partidos grudaram-se ao maná que o poder consente e até estimula. Os parlamentares são escolhidos segundo o grau da sua obediência. Ao fim de um par de anos, a reforma é-lhes garantida. Entretanto, estabeleceram uma rede de conhecimentos e admitiram uma teia de compromissos que os encaminhará, se não para o enriquecimento (mas em alguns casos, sim) - pelo menos para um resto de vida desafogado. O Parlamento transformou-se num trampolim para os negócios. Os parlamentares nada têm a ver com os eleitores, e estes entregam as suas escolhas às decisões dos líderes, os quais são quem tudo pode, quem tudo quer, quem tudo manda. O estalinismo viceja em todos os partidos.
Que nos propõe o PSD? O mais do mesmo, que foi péssimo. E o PS? O mesmo, mais, o que nada de bom augura. O advérbio «mais», aplicado aos dois partidos, comporta o pior sentido pejorativo. Eles não gostam de nós. Repare-se, por exemplo, no discurso ideológico de José Sócrates: está «muitíssimo preocupado [sic], com a classe média»; trabalhadores, no seu léxico «socialista», não existem. Não há substanciais diferenças entre o que Sócrates diz e o que Santana deseja. Eis porque pouca gente acredita num sistema que se encerrou em si mesmo, e que se autodefende com ardorosa ferocidade. Nem um nem outro destes «partidos de poder» nos assegura especial confiança.
O PS escora-se num estribilho tão absurdo quanto assustador: «Voltar a Acreditar». Em quê?, pergunta a minha malvada curiosidade. No solfejo guterrista, que aí vem, em clave melancólica? Nos brados inconvictos do engenheiro Sócrates, proclamando, ar grave e inquietante, a urgência de nos deixarmos invadir pelo espírito do «moderno»? O PSD está dividido, não ao meio, como Moisés fez nas águas; mas esquartejado, como o cruel e inclemente Santana assim cometeu.
Entre os dois, venha o diabo e escolha. E assim vai a nossa terra.
O regresso dos sandeus
07/01/2005 14:02
O regresso dos sandeus
No PSD, começa a divisar-se os afastamentos esquivos de alguns, ainda não há muito, ardorosos defensores de Santana Lopes. Uma santanete, conhecida por mudar de cor de cabelo como de ideias gerais, já começou a arranhar o amo, depois de ter dito, em pífia locução metafórica, que o homem não tinha lepra.
Na Primeira República, àqueles chamavam «adesivos»: emergem como tortulhos e colam-se ao prato, logo-assim vislumbrem quem se amesenda. Os segundos, sem vocação para mártires mas com bossa para sempre-em-pé, são os «pragmáticos»: possuem um forte sentido de perceptibilidade, abandonam os que lhes ofereceram as lentilhas, e estão rasgadamente «disponíveis» para servir outro amo.
Quem é que pode ou quem é que vai acreditar numa choldra deste jaez e estilo? Depois, a lista de deputados do PS e do PSD devolve-nos a imagem de dois partidos ancilosados no compromisso clientelar. O caso Pôncio Monteiro é exemplo indecoroso. A balbúrdia prossegue: Cavaco não quer nada com Santana. Nem em retrato. E o País é esta pouca vergonha.
Em qualquer das listas há gente de bem; em ambas estão amigos meus - mas é impossível endireitar a sombra de uma vara torta. Recorro aos «Diálogos», de Frei Amador Arraes: «O governador, primeiro, se deve a si rectificar, e depois ao seu povo; que de outra maneira haver-se-á como quem quer endireitar a sombra de uma vara torta».
Os partidos «de poder» estão exaustos. Nada têm feito de significativamente bom: nada o farão. Nasceram deformados, pelas imperfeições dos seus dirigentes.Mário Soares ainda não há muito tempo o disse. Sá Carneiro havia-o previsto. Ambos presumiam que a democracia formaria democratas; quer-se dizer: de gente com espírito de missão, disposta a servir e não a servir-se. Esqueciam-se de que apenas o civismo, a educação pela sociedade [António Sérgio], a subordinação dos interesses às necessidades [Raul Proença], removeriam as ambições dos sandeus. Os sandeus aí estão.
Os partidos grudaram-se ao maná que o poder consente e até estimula. Os parlamentares são escolhidos segundo o grau da sua obediência. Ao fim de um par de anos, a reforma é-lhes garantida. Entretanto, estabeleceram uma rede de conhecimentos e admitiram uma teia de compromissos que os encaminhará, se não para o enriquecimento (mas em alguns casos, sim) - pelo menos para um resto de vida desafogado. O Parlamento transformou-se num trampolim para os negócios. Os parlamentares nada têm a ver com os eleitores, e estes entregam as suas escolhas às decisões dos líderes, os quais são quem tudo pode, quem tudo quer, quem tudo manda. O estalinismo viceja em todos os partidos.
Que nos propõe o PSD? O mais do mesmo, que foi péssimo. E o PS? O mesmo, mais, o que nada de bom augura. O advérbio «mais», aplicado aos dois partidos, comporta o pior sentido pejorativo. Eles não gostam de nós. Repare-se, por exemplo, no discurso ideológico de José Sócrates: está «muitíssimo preocupado [sic], com a classe média»; trabalhadores, no seu léxico «socialista», não existem. Não há substanciais diferenças entre o que Sócrates diz e o que Santana deseja. Eis porque pouca gente acredita num sistema que se encerrou em si mesmo, e que se autodefende com ardorosa ferocidade. Nem um nem outro destes «partidos de poder» nos assegura especial confiança.
O PS escora-se num estribilho tão absurdo quanto assustador: «Voltar a Acreditar». Em quê?, pergunta a minha malvada curiosidade. No solfejo guterrista, que aí vem, em clave melancólica? Nos brados inconvictos do engenheiro Sócrates, proclamando, ar grave e inquietante, a urgência de nos deixarmos invadir pelo espírito do «moderno»? O PSD está dividido, não ao meio, como Moisés fez nas águas; mas esquartejado, como o cruel e inclemente Santana assim cometeu.
Entre os dois, venha o diabo e escolha. E assim vai a nossa terra.
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