Sérgio Figueiredo
Talone caiu do pedestal
sf@mediafin.pt
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João Talone chegou à presidência da EDP com um capital de credibilidade inquestionável. Não sou eu a dizê-lo. Muito mais importante, foram os investidores a reconhecer esse prestígio. Por isso voltaram a acreditar na gestão da empresa. Por isso as acções renasceram das catacumbas da bolsa.
Com o entusiasmo de analistas, a simpatia de jornalistas e o apoio incondicional de políticos, Talone não se limitou a presidir a uma importante empresa. Tinha uma visão para o futuro da energia em Portugal. Passou a ter a missão de construir esse futuro.
No fim do ano passado, o visionário sossobrou em Bruxelas. Este ano, o missionário dá cada vez sinais mais fortes, e preocupantes, de que se perdeu no caminho. Há decisões incompreensíveis. Surgem operações indecifráveis.
A aquisição da Portgás é um enigma difícil de desvendar. Só não será um mistério, porque obviamente alguém terá de vir a público responder a perguntas elementares.
Uma: porque se paga um valor exorbitante para controlar 60% do capital de uma empresa, cuja administração que, por força de um acordo parassocial existente, a EDP não pode controlar?
Duas: porque, só agora, depois do facto consumado e após tamanho investimento, a EDP está a renegociar o parassocial com espanhóis e franceses para, supõe-se, chegar ao poder da Portgás?
Três: se for bem sucedida, ou seja, se garantir o controlo da distribuidora nortenha de gás, como a Autoridade da Concorrência nacional pode aceitar esta fusão gás / electricidade, aquilo que a Comissão Europeia liminarmente chumbou?
Há ainda uma quarta questão. Mesmo que consiga dobrar todos estes cabos das tormentas (a Endesa, a GDF, Abel Mateus...), e já sem perguntar que preço está a EDP disposta a suportar adicionalmente para «convencer» esta gente toda, fica Talone numa posição que o próprio sempre recusou: ambiguidades e conflitos de interesses.
Onde? No conselho de administração da Galp.
A Galp, como se sabe, também foi apanhada pelo fracasso do «Plano Talone» para a energia. Assim, ao contrário do que estava previsto, ainda conserva várias distribuidoras de gás em Portugal. Lisboagás, Lusitâniagás, Setgás,...
A Galp, como se sabe, conserva um accionista importante chamado EDP. E a EDP, enquanto tal, tem assento no conselho de administração da companhia petrolífera.
Com a liberalização do gás, a EDP fica na posição desconfortável de continuar sentada na cabine de comando de um concorrente directo. Não pode ser. E esta é a tremenda encruzilhada em que a visão e a missão de Talone colocaram uma das mais importantes empresas nacionais.
Se quer mandar na Portgás tem um problema com o regulador. Se abdica disso, tem de explicar-se aos accionistas. Se for um «player» do gás natural, tem de sair da Galp. Enfim, uma confusão...
Aquele que naturalmente era apontado como sucessor de Jardim Gonçalves, teve azar por apostar num sector que entrou em colapso em todo o mundo. Depois teve azar em Bruxelas. E agora? Bem, ao terceiro azar, o mercado começa a acreditar que a falta de sorte não é o problema.