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O regresso do fugitivo
19/11/2004 14:10
O regresso do fugitivo
Dá a ideia de que a Esquerda tem de o aceitar, porque não há outra alternativa. Ao reduzir a margem de manobra, o secretário-geral do PS pretende impor um candidato que está longe de obter consenso. Ainda há dias, no habitual artigo de fim-de-semana, no «Público», António Barreto demoliu o ex-primeiro-ministro do PS. Um texto impiedoso e cruelmente verdadeiro.
O ressurgimento de Guterres, no Congresso da Democracia, foi infeliz, para não o qualificar de desastroso: nada disse que suscitasse motivos de reflexão, nada disse que provocasse o mais ténue resquício de empatia. Politicamente foi inócuo. Humanamente, apático. Com perdão da palavra, o homem de Sócrates causa repúdio. A Direita despreza-o; fractura a Esquerda; e, no próprio PS, as dissenções são de monta.
A estratégia dos dirigentes socialistas também não ajuda. A declaração «política» de que não haverá coligação com o PCP para a Câmara de Lisboa, pode ser fatal. E os comunistas irão votar Guterres, tão-só para derrotar Cavaco? Não me parece. As condições históricas são outras, e anteriores afirmações de fé anti-comunista, rezadas por António Guterres, não foram esquecidas pelos visados.
Aquele é o homem que fugiu, quando lhe depuseram nas mãos a possibilidade de realizar o prometido. Não soube provocar um tipo de comportamento social que apoiasse e reproduzisse a implicação política que representou, num dado momento. O «socialismo» de Guterres quedou-se em compromissos e em baralhadas cada vez mais pantanosos, para usar um termo que lhe era caro.
Os ministros mais «à esquerda» foram postos à margem ou, simplesmente, banidos. O caso de Eduardo Ferro Rodrigues é exemplar. Guterres propôs-lhe outro ministério que não aquele onde desempenhou papel relevante. Ferro rejeitou com exaltação, e ameaçou bater com a porta. A história nunca foi claramente esclarecida; porém, a Imprensa noticiou os contornos sombrios.
Claro que António Guterres traiu oscompromissos assumidos. Abriu as portas à Direita mais desavergonhada. Esta, por sua vez, logo-assim o pôde, reduziu o PSD a um papel meramente seguidista, puxado por Paulo Portas. As mais relevantes figuras do PSD não se eximem a enunciar a sua inquietação, criticando (como o tem feito, claramente, Miguel Veiga) a deriva do partido, que se afasta, cada vez mais, do eixo que fundamentou e justificou a sua fundação.
Um candidato constrói-se quando uma vontade, na base, se associa à intenção de «mudança» da elite. José Sócrates ainda não entendeu que o desejo pessoal, enternecidamente embalado, contraria estes princípios. O problema da representação não é displicente. A procura social e a oferta política, neste caso, estão arredadas uma da outra. Decididamente, Guterres não combina essas normas irredutíveis. E o discurso que leu, na Gulbenkian, não o ajudou coisíssima nenhuma.
Cavaco Silva superintende os silêncios com mestria. Profere afirmações cautelosas e evasivas (não ambíguas: evasivas), ao mesmo tempo que tem produzido uma forma especialmente engenhosa de política de identidade. A experiência fê-lo saber que as alterações havidas, na última década, nas áreas das culturas e dos comportamentos, exigiram às políticas sociais que o sejam de ajuda positiva à liberdade e à responsabilidade.
Repare-se, sobretudo, nos últimos artigos que tem publicado. Reflectem uma lenta, mas firme separação das ideias que o enformaram, e chega a sugerir a criação de um espaço político onde se pode operar (no seu entender) o encontro de interesses, de culturas e de paixões. E reflicta-se na resposta que, em Madrid, deu a Santana Lopes. Eis o discurso de um candidato. Dir-se-á: nada de novo, como tema. Mas, de tanta insistência, o que ele diz soa a novidade.
Se a Esquerda se fixa em António Guterres, a Direita coloca Cavaco Silva em Belém. E, como em tempos se votou em Guterres contra Cavaco, talvez muita gente irá votar em Cavaco contra Gut...
O regresso do fugitivo
19/11/2004 14:10
O regresso do fugitivo
Dá a ideia de que a Esquerda tem de o aceitar, porque não há outra alternativa. Ao reduzir a margem de manobra, o secretário-geral do PS pretende impor um candidato que está longe de obter consenso. Ainda há dias, no habitual artigo de fim-de-semana, no «Público», António Barreto demoliu o ex-primeiro-ministro do PS. Um texto impiedoso e cruelmente verdadeiro.
O ressurgimento de Guterres, no Congresso da Democracia, foi infeliz, para não o qualificar de desastroso: nada disse que suscitasse motivos de reflexão, nada disse que provocasse o mais ténue resquício de empatia. Politicamente foi inócuo. Humanamente, apático. Com perdão da palavra, o homem de Sócrates causa repúdio. A Direita despreza-o; fractura a Esquerda; e, no próprio PS, as dissenções são de monta.
A estratégia dos dirigentes socialistas também não ajuda. A declaração «política» de que não haverá coligação com o PCP para a Câmara de Lisboa, pode ser fatal. E os comunistas irão votar Guterres, tão-só para derrotar Cavaco? Não me parece. As condições históricas são outras, e anteriores afirmações de fé anti-comunista, rezadas por António Guterres, não foram esquecidas pelos visados.
Aquele é o homem que fugiu, quando lhe depuseram nas mãos a possibilidade de realizar o prometido. Não soube provocar um tipo de comportamento social que apoiasse e reproduzisse a implicação política que representou, num dado momento. O «socialismo» de Guterres quedou-se em compromissos e em baralhadas cada vez mais pantanosos, para usar um termo que lhe era caro.
Os ministros mais «à esquerda» foram postos à margem ou, simplesmente, banidos. O caso de Eduardo Ferro Rodrigues é exemplar. Guterres propôs-lhe outro ministério que não aquele onde desempenhou papel relevante. Ferro rejeitou com exaltação, e ameaçou bater com a porta. A história nunca foi claramente esclarecida; porém, a Imprensa noticiou os contornos sombrios.
Claro que António Guterres traiu oscompromissos assumidos. Abriu as portas à Direita mais desavergonhada. Esta, por sua vez, logo-assim o pôde, reduziu o PSD a um papel meramente seguidista, puxado por Paulo Portas. As mais relevantes figuras do PSD não se eximem a enunciar a sua inquietação, criticando (como o tem feito, claramente, Miguel Veiga) a deriva do partido, que se afasta, cada vez mais, do eixo que fundamentou e justificou a sua fundação.
Um candidato constrói-se quando uma vontade, na base, se associa à intenção de «mudança» da elite. José Sócrates ainda não entendeu que o desejo pessoal, enternecidamente embalado, contraria estes princípios. O problema da representação não é displicente. A procura social e a oferta política, neste caso, estão arredadas uma da outra. Decididamente, Guterres não combina essas normas irredutíveis. E o discurso que leu, na Gulbenkian, não o ajudou coisíssima nenhuma.
Cavaco Silva superintende os silêncios com mestria. Profere afirmações cautelosas e evasivas (não ambíguas: evasivas), ao mesmo tempo que tem produzido uma forma especialmente engenhosa de política de identidade. A experiência fê-lo saber que as alterações havidas, na última década, nas áreas das culturas e dos comportamentos, exigiram às políticas sociais que o sejam de ajuda positiva à liberdade e à responsabilidade.
Repare-se, sobretudo, nos últimos artigos que tem publicado. Reflectem uma lenta, mas firme separação das ideias que o enformaram, e chega a sugerir a criação de um espaço político onde se pode operar (no seu entender) o encontro de interesses, de culturas e de paixões. E reflicta-se na resposta que, em Madrid, deu a Santana Lopes. Eis o discurso de um candidato. Dir-se-á: nada de novo, como tema. Mas, de tanta insistência, o que ele diz soa a novidade.
Se a Esquerda se fixa em António Guterres, a Direita coloca Cavaco Silva em Belém. E, como em tempos se votou em Guterres contra Cavaco, talvez muita gente irá votar em Cavaco contra Gut...