Editorial
Hermínio Santos
«A felicidade»
Como ser feliz é a grande ideia de marketing do século XXI. Não há nenhuma marca, nenhum político, nenhum conceito de vida, nenhuma religião, nenhum dirigente de futebol que não prometa a felicidade do próximo. Hoje, quase que é obrigatório ser feliz. A publicidade diz que nós podemos ser felizes ao comprar uma casa, os videntes vêem nos astros e nas linhas das mãos as nossas trajectórias celestes - com alguns precalços pelo meio mas quase sempre com um final feliz -, os mestres de técnicas transcendentais marcam o nosso encontro com a felicidade a troco de muita meditação e do indispensável cheque no final da sessão. As páginas dos tablóides enchem-se de homens e mulheres que prometem a felicidade no amor, no emprego, entre a família. Hoje, não se diz é proibido proibir mas sim é proibido não ser feliz.
Apesar de o mundo que rodeia esta ideologia da felicidade não ser um grande aliado da ideia - os telejornais são um festival de crimes, desavenças, guerras, condutores a baterem recordes de álcool no sangue, tragédias, roubos, infelicidades, mortes, ajustes de contas, intolerância - toda a sociedade vive cada vez mais à procura dela. A felicidade pode ser encontrada no cartão de crédito, no carro novo, na caneta de marca com que se rubrica um contrato, no ginásio, nas compras, numa viagem, numa massagem, num estádio, numa mensagem sms, num email provocante. Trata-se de um verdadeiro labirinto de oportunidades ao qual só se pode aceder com dinheiro, esse ingrediente indispensável à vida social.
Obviamente que esta busca de felicidade é analisada com todo o cuidado pelos especialistas. Escrevem-se tratados, analisam-se comportamentos e fazem-se os necessários estudos. Um deles, divulgado na terça-feira, revela que «ter uma família feliz» é um dos principais ingredientes para a felicidade dos portugueses. Numa escala de um a dez, 32% dos inquiridos declaram estar no nível oito de felicidade, ainda que existam algumas preocupações, como o futuro do filhos ou o desemprego. Segundo o estudo, 44% dos consumidores mantém-se fiel às marcas, 41% das mulheres são mais felizes que os homens (33%) e que, analisando por faixa etária, são os jovens entre os 15 e os 17 anos que dizem ser mais felizes, com 42% de respostas positivas.
A ideia de ser feliz é tão antiga como a Humanidade mas com o passar dos séculos a sua busca tornou-se sofisticada e num negócio. São raras as pessoas que trocam o fitness urbano, a terapia de sotaque oriental ou a febre de consumo de tudo o que é erudito pelo passeio à beira-mar, os trilhos das montanhas, os silêncios das dunas, a descoberta de uma paixão e o prazer de uma conversa eterna sem horas nem prefácios doutrinais. É certo que vivemos - e precisamos e até o adoramos - num mundo do high tech mas seria bom não perdermos esse apego às coisas simples que fazem de nós aquilo que somos: simples mortais.
hsantos@dinheirodigital.pt