Um bom fim se semana para todos
Sérgio Figueiredo
Brutal...
sf@mediafin.pt
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O presidente do nosso banco central, ou seja, Jean-Claude Trichet, acha que a nossa moeda já subiu alto demais. E, por isso, classifica a queda que o dólar já registou como «brutal». Realmente, é caso bicudo. O euro hoje vale face ao dólar mais 50% do que em 2001. Trata-se de um movimento cambial de amplitude brutal.
É um movimento que começa a inquietar aqueles que o contemplam deste lado do Atlântico.
Pelos problemas conhecidos: sector exportador em dificuldades; outro motor que «gripa», já que as procuras internas permanecem paralíticas; a retoma europeia comprometida; economia global novamente descompensada.
Também deveria preocupar americanos, japoneses ou chineses. E, pelo menos nas aparências, o senhor Snow, do Tesouro americano, assume uma atitude relaxada perante a debilidade da sua moeda - «demasiado relaxada», para o FT.
Só que o fenómeno cambial parece ter outros contornos quando se atravessa o oceano e se olha para o mundo a partir de lá.
A América, se não ajusta pelo câmbio, terá de pagar a correcção do seu défice externo provavelmente com uma recessão económica.
Desde que atingiu o pico mais alto das cotações, no início de 2002, o dólar regista uma depreciação com algum significado, cerca de 15% em relação ao cabaz das outras moedas relevantes.
Sucede que, como a Economist vem agora lembrar, depois de corrigido da inflação e medido pelo respectivo peso no comércio internacional, o valor do dólar está em linha com a média dos últimos trinta anos.
Ou seja, talvez o senhor Snow lá tenha as suas razões para pensar que a sua moeda ainda está «barata». Várias estimativas sustentam que, para chegar a uma taxa de câmbio de equilíbrio, o dólar precisava desvalorizar ainda 20%. Pelo menos.
O problema não é, porém, resolvido na questão bilateral. São os europeus que estão a pagar, com menos crescimento e mais desemprego, a depreciação acentuada do dólar, porque os asiáticos, ou não têm regimes de câmbios flexíveis (caso da China), ou põem os seus bancos centrais a vender dólares no mercado e comprando as respectivas divisas (como o Japão anda a fazer por estes dias).
Com a globalização ninguém ficou imune à desgraça alheia. Nem os EUA. Além disso, esta forma de ajustamento de desequilíbrios estruturais não é sustentável. Apenas abre um escape para o problema.
E, pela primeira vez nesta fase de «défices gémeos», a locomotiva global começa a sentir o pior efeito-boomerang de uma divisa fraca: a inflação.
Os defensores do modelo americano, como António Borges, admitiam que um «mundo novo» estava ali a florescer. Taxas de juro negativas, défices orçamentais e fortes desequilíbrios externos coabitavam com inflação quase inexistente.
A fórmula mágica esgotou-se. E, por cruel ironia, será um americano a travar os ávidos consumidores e governantes do seu país, afinal a principal razão deste desarranjo global das moedas.
Greenspan ajudará o euro, continuando a aumentar os juros. Desta vez, agradeceremos a unilateralidade.