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Dias contados
ASAS SOB A NAÇÃO
Com uma viagem aos EUA aprazada para breve, deixo-me seduzir por um e-mail da TAP, que garante ida e volta a Newark por quase metade da tarifa normal. Entro no site da companhia, que reproduz a promoção e especifica: voos directos de Lisboa e do Porto. Começo o processo de reserva online, escolho as datas e aguardo. Nas datas pretendidas, e à partida do Porto, a tarifa não está abrangida pelo desconto. Mudo as datas, o resultado é idêntico. Tento a partida de Lisboa e consigo o desconto, embora, hélas, apenas nos voos com escala no Porto. Decerto um erro informático.
Com a reserva por fazer, desisto das novas tecnologias e prossigo através das velhas: telefono à TAP, confiante no novíssimo decreto-lei que obriga os call centers das empresas públicas a atender os clientes em menos de um minuto. No atendimento geral, um gravador a imitar uma menina põe-me em espera. Sete minutos depois, uma menina real digna-se falar-me. Explico-lhe o problema. Decerto informada do decreto-lei, pede-me um minuto para esclarecer a situação. Dou-lhe um, cinco, dez, dezasseis minutos e trinta e dois segundos, período que aproveito para ouvir dezenas de vezes uma publicidade em que a TAP se vangloria de si própria. Bonito, porém cansativo. Desligo. Ligo ao aeroporto e rogo que me transfiram a chamada para o balcão da TAP. Informam-me que o balcão não concede informações por telefone e que é melhor dirigir-me lá pessoalmente.
Maravilhado por adivinharem que vivo a cinco minutos de Pedras Rubras e não em Castelo Branco, parto rumo a Pedras Rubras. No lendário balcão da TAP, preparo-me para desfiar o meu rosário e sou logo interrompido pela funcionária: as promoções não se marcam ali. Marcam-se onde? A senhora não diz. O que a senhora diz, após escrevinhar uns instantes no computador, é que a promoção anunciada (Porto-Newark-Porto) não existe. A tarifa de baixo preço limita-se ao trajecto Lisboa-Porto-Newark-Porto-Lisboa. Dado que entro no Porto, vai dar ao mesmo, não vai? Não vai, corta a funcionária, já que não posso entrar no Porto, excepto se pagar a tarifa normal. Mas o voo não aterra no Porto? Aterra. E então? Tem de entrar em Lisboa. Hã? É assim, conclui a funcionária.
Ainda bem que é assim. Ainda bem que empresas com o gabarito da TAP continuam nas mãos do Estado. Sabe Deus o pandemónio que adviria da privatização.
Quarta-feira, 11 de Março
A VERDADEIRA CRISE
A terça-feira começou com o director do Fundo Monetário Internacional a confirmar a "grande recessão", segundo o sujeito a maior dos últimos 60 anos. Se, como se diz, as crises são também oportunidades, uma crise gigantesca é uma gigantesca oportunidade para os portugueses exibirem a tradicional fleuma e não lhe ligarem nenhuma. Por cá, no máximo, o cidadão comum recebeu as palavras do sr. Strauss-Kahn com um encolher de ombros e o pertinente comentário "Isto vai bonito, vai "
Vinte e quatro horas depois, porém, inúmeros cidadãos comuns telefonavam para as rádios e as televisões em destravado alvoroço. A situação, ao que diziam, era mais do que preocupante: era trágica. No Fórum da TSF, que sintonizei a meio no rádio do carro, um ouvinte garantia: batemos no fundo. Outros ouvintes falavam em "vergonha" e "miséria". A princípio, convenci-me de que, embora com atraso, era o estado da economia a suscitar tamanho drama. Depois, percebi que o drama se prendia com o futebol caseiro em geral e com o Sporting, que perdera por 7-1, em particular.
Nenhuma surpresa. Entre nós, os dramas são peculiares e, em 99% dos casos, de enredo único. Atrás da bola não corre uma criança, mas um português destroçado por uma equipa, um treinador, um dirigente ou um árbitro. Ou, o que é provável, por todos em simultâneo. Em teoria, isto é um bom sinal: se a crise não suscita grande atenção, é porque a crise não é tão grave. Na prática, o sinal é menos bom, visto que, independentemente da depressão económica, é sempre a futebolística que nos aflige. Ainda que o FMI tenha razão e estejamos enfiados no pior buraco desde a IIª Guerra, nada afasta os portugueses das suas prioridades.
Aliás, mesmo que estivéssemos na própria II Guerra, e que os alemães, além de bombardearem o Sporting, bombardeassem literalmente as nossas cabeças, desconfio que milhares de portugueses ignorariam as sirenes antiaéreas e sairiam às ruas a pedir a demissão do sr. Paulo Bento ou lá quem é o culpado pela angustiante situação que atravessamos.
Quinta-feira, 12 de Março
O GPS DO INFORTÚNIO
Parece que, após ouvir na rádio a história de uma mulher assassinada pelo namorado, o dr. Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, decidiu baptizar uma rua da cidade com o nome da falecida. Para não perder a deixa, o dr. Moita-Flores, famoso comentador televisivo e menos famoso edil, anunciou iniciativa semelhante em Santarém. Ambos os gestos provavelmente indiciam uma moda que, até às "autárquicas", varrerá a nação de norte a sul: imortalizar os alvos de companheiros psicóticos, enquanto, diga-se de passagem, os companheiros psicóticos são jovialmente mandados em paz pela polícia (sucedeu agora em Portimão).
No mínimo, a tendência é curiosa. Com acerto discutível, a toponímia tradicional ficava-se por exemplos de bravura, inovação, eficácia, criatividade, generosidade, etc. As senhoras em questão são exemplos do quê? Do azar? De péssimas escolhas sentimentais? Do lado negro do casamento (um alerta aos gays)? E o que rezarão as placas, "Avenida Manuela Pires, Receptora de Tareias Conjugais (1977 - 2009)"? Sinceramente, não sei.
Sei que, se a ideia é transformar os desafortunados em modelos, não há razão para que as vítimas de violência doméstica mereçam mais atenção que as vítimas de violência pública e de incidentes em geral. Urge que outros autarcas com apetites publicitários e fome eleitoral garantam ruas aos mortos em consequência de assaltos à mão armada, acidentes rodoviários, doenças infecto-contagiosas, suicídios, negligência médica e tombos mal dados. Aliás, as vítimas nem precisam de ser mortais: só um coração empedernido negaria praceta ou simples viela a cidadãos diabéticos, órfãos e adeptos do Sporting.
Para terminar com uma nota de erudição, recordo o episódio antigo dos Simpsons no qual um rapazinho acidentado é erguido a herói. Herói porquê? Porque, explica Homer à filha, o rapazinho caiu a um poço e não consegue sair. Não conheço melhor metáfora do nosso tempo e das referências que o guiam.
Sexta-feira, 13 de Março
O FUTURO SEGUNDO A CGTP
O dr. Carvalho da Silva pesou as "informações", os "indicadores" e as "observações" e concluiu: aquela era a maior manifestação de sempre. Outra. O dr. Carvalho da Silva estava radiante. Nada satisfaz tanto um sindicalista quanto ver uma multidão dedicar um dia àquilo a que ele dedica a vida inteira: berrar imenso e não fazer nenhum.
Segundo as "informações", os "indicadores" e tal, a multidão chegou às duzentas mil almas, uma evidência de que neste esfarrapado país há pelo menos duas centenas de milhares de pessoas com disponibilidade para passear em Lisboa durante o expediente. Não admira, já que muitos são funcionários públicos. Nem admira que o dr. Louçã se solidarizasse com os passeantes e falasse em "grande demonstração da força popular". Sem dúvida, mas da parcela do povo capaz de exibir à restante os privilégios de que beneficia.
Mais do que um desafio ao Governo, o qual talvez venha a lucrar com a hipotética legitimação do seu hipotético "reformismo", a manifestação desafiou os que não podem trocar o trabalho por uma tarde primaveril na Baixa a protestar contra a falta dele. Ou, para voltar às palavras do dr. Carvalho da Silva, a "construir o futuro". Na visão sindical, naturalmente, o futuro constrói-se ao sol. Ainda assim, promete ser negro.|
Sociólogo albertog@netcabo.pt
Alberto Gonçalves
DN
ASAS SOB A NAÇÃO
Com uma viagem aos EUA aprazada para breve, deixo-me seduzir por um e-mail da TAP, que garante ida e volta a Newark por quase metade da tarifa normal. Entro no site da companhia, que reproduz a promoção e especifica: voos directos de Lisboa e do Porto. Começo o processo de reserva online, escolho as datas e aguardo. Nas datas pretendidas, e à partida do Porto, a tarifa não está abrangida pelo desconto. Mudo as datas, o resultado é idêntico. Tento a partida de Lisboa e consigo o desconto, embora, hélas, apenas nos voos com escala no Porto. Decerto um erro informático.
Com a reserva por fazer, desisto das novas tecnologias e prossigo através das velhas: telefono à TAP, confiante no novíssimo decreto-lei que obriga os call centers das empresas públicas a atender os clientes em menos de um minuto. No atendimento geral, um gravador a imitar uma menina põe-me em espera. Sete minutos depois, uma menina real digna-se falar-me. Explico-lhe o problema. Decerto informada do decreto-lei, pede-me um minuto para esclarecer a situação. Dou-lhe um, cinco, dez, dezasseis minutos e trinta e dois segundos, período que aproveito para ouvir dezenas de vezes uma publicidade em que a TAP se vangloria de si própria. Bonito, porém cansativo. Desligo. Ligo ao aeroporto e rogo que me transfiram a chamada para o balcão da TAP. Informam-me que o balcão não concede informações por telefone e que é melhor dirigir-me lá pessoalmente.
Maravilhado por adivinharem que vivo a cinco minutos de Pedras Rubras e não em Castelo Branco, parto rumo a Pedras Rubras. No lendário balcão da TAP, preparo-me para desfiar o meu rosário e sou logo interrompido pela funcionária: as promoções não se marcam ali. Marcam-se onde? A senhora não diz. O que a senhora diz, após escrevinhar uns instantes no computador, é que a promoção anunciada (Porto-Newark-Porto) não existe. A tarifa de baixo preço limita-se ao trajecto Lisboa-Porto-Newark-Porto-Lisboa. Dado que entro no Porto, vai dar ao mesmo, não vai? Não vai, corta a funcionária, já que não posso entrar no Porto, excepto se pagar a tarifa normal. Mas o voo não aterra no Porto? Aterra. E então? Tem de entrar em Lisboa. Hã? É assim, conclui a funcionária.
Ainda bem que é assim. Ainda bem que empresas com o gabarito da TAP continuam nas mãos do Estado. Sabe Deus o pandemónio que adviria da privatização.
Quarta-feira, 11 de Março
A VERDADEIRA CRISE
A terça-feira começou com o director do Fundo Monetário Internacional a confirmar a "grande recessão", segundo o sujeito a maior dos últimos 60 anos. Se, como se diz, as crises são também oportunidades, uma crise gigantesca é uma gigantesca oportunidade para os portugueses exibirem a tradicional fleuma e não lhe ligarem nenhuma. Por cá, no máximo, o cidadão comum recebeu as palavras do sr. Strauss-Kahn com um encolher de ombros e o pertinente comentário "Isto vai bonito, vai "
Vinte e quatro horas depois, porém, inúmeros cidadãos comuns telefonavam para as rádios e as televisões em destravado alvoroço. A situação, ao que diziam, era mais do que preocupante: era trágica. No Fórum da TSF, que sintonizei a meio no rádio do carro, um ouvinte garantia: batemos no fundo. Outros ouvintes falavam em "vergonha" e "miséria". A princípio, convenci-me de que, embora com atraso, era o estado da economia a suscitar tamanho drama. Depois, percebi que o drama se prendia com o futebol caseiro em geral e com o Sporting, que perdera por 7-1, em particular.
Nenhuma surpresa. Entre nós, os dramas são peculiares e, em 99% dos casos, de enredo único. Atrás da bola não corre uma criança, mas um português destroçado por uma equipa, um treinador, um dirigente ou um árbitro. Ou, o que é provável, por todos em simultâneo. Em teoria, isto é um bom sinal: se a crise não suscita grande atenção, é porque a crise não é tão grave. Na prática, o sinal é menos bom, visto que, independentemente da depressão económica, é sempre a futebolística que nos aflige. Ainda que o FMI tenha razão e estejamos enfiados no pior buraco desde a IIª Guerra, nada afasta os portugueses das suas prioridades.
Aliás, mesmo que estivéssemos na própria II Guerra, e que os alemães, além de bombardearem o Sporting, bombardeassem literalmente as nossas cabeças, desconfio que milhares de portugueses ignorariam as sirenes antiaéreas e sairiam às ruas a pedir a demissão do sr. Paulo Bento ou lá quem é o culpado pela angustiante situação que atravessamos.
Quinta-feira, 12 de Março
O GPS DO INFORTÚNIO
Parece que, após ouvir na rádio a história de uma mulher assassinada pelo namorado, o dr. Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, decidiu baptizar uma rua da cidade com o nome da falecida. Para não perder a deixa, o dr. Moita-Flores, famoso comentador televisivo e menos famoso edil, anunciou iniciativa semelhante em Santarém. Ambos os gestos provavelmente indiciam uma moda que, até às "autárquicas", varrerá a nação de norte a sul: imortalizar os alvos de companheiros psicóticos, enquanto, diga-se de passagem, os companheiros psicóticos são jovialmente mandados em paz pela polícia (sucedeu agora em Portimão).
No mínimo, a tendência é curiosa. Com acerto discutível, a toponímia tradicional ficava-se por exemplos de bravura, inovação, eficácia, criatividade, generosidade, etc. As senhoras em questão são exemplos do quê? Do azar? De péssimas escolhas sentimentais? Do lado negro do casamento (um alerta aos gays)? E o que rezarão as placas, "Avenida Manuela Pires, Receptora de Tareias Conjugais (1977 - 2009)"? Sinceramente, não sei.
Sei que, se a ideia é transformar os desafortunados em modelos, não há razão para que as vítimas de violência doméstica mereçam mais atenção que as vítimas de violência pública e de incidentes em geral. Urge que outros autarcas com apetites publicitários e fome eleitoral garantam ruas aos mortos em consequência de assaltos à mão armada, acidentes rodoviários, doenças infecto-contagiosas, suicídios, negligência médica e tombos mal dados. Aliás, as vítimas nem precisam de ser mortais: só um coração empedernido negaria praceta ou simples viela a cidadãos diabéticos, órfãos e adeptos do Sporting.
Para terminar com uma nota de erudição, recordo o episódio antigo dos Simpsons no qual um rapazinho acidentado é erguido a herói. Herói porquê? Porque, explica Homer à filha, o rapazinho caiu a um poço e não consegue sair. Não conheço melhor metáfora do nosso tempo e das referências que o guiam.
Sexta-feira, 13 de Março
O FUTURO SEGUNDO A CGTP
O dr. Carvalho da Silva pesou as "informações", os "indicadores" e as "observações" e concluiu: aquela era a maior manifestação de sempre. Outra. O dr. Carvalho da Silva estava radiante. Nada satisfaz tanto um sindicalista quanto ver uma multidão dedicar um dia àquilo a que ele dedica a vida inteira: berrar imenso e não fazer nenhum.
Segundo as "informações", os "indicadores" e tal, a multidão chegou às duzentas mil almas, uma evidência de que neste esfarrapado país há pelo menos duas centenas de milhares de pessoas com disponibilidade para passear em Lisboa durante o expediente. Não admira, já que muitos são funcionários públicos. Nem admira que o dr. Louçã se solidarizasse com os passeantes e falasse em "grande demonstração da força popular". Sem dúvida, mas da parcela do povo capaz de exibir à restante os privilégios de que beneficia.
Mais do que um desafio ao Governo, o qual talvez venha a lucrar com a hipotética legitimação do seu hipotético "reformismo", a manifestação desafiou os que não podem trocar o trabalho por uma tarde primaveril na Baixa a protestar contra a falta dele. Ou, para voltar às palavras do dr. Carvalho da Silva, a "construir o futuro". Na visão sindical, naturalmente, o futuro constrói-se ao sol. Ainda assim, promete ser negro.|
Sociólogo albertog@netcabo.pt
Alberto Gonçalves
DN
Na bolsa só se perde dinheiro.Na realidade só certos Iluminados com acesso a informação privilegiada aproveitam-se dos pequenos investidores para lhes sugarem o dinheiro.
DIAS CONTADOS
Alberto Gonçalves
Sociólogo albertog@netcabo.pt
Segunda-feira, 16 de Fevereiro
NÃO SABER DE QUE TERRA SOMOS
Há um momento imperdível em todas as entrevistas de correspondentes indígenas a celebridades internacionais do espectáculo. É aquele em que, após os preliminares, o correspondente dispara a pergunta obrigatória sobre Portugal. A pergunta pode ser posta de várias maneiras (Gosta de Portugal? Já lá esteve? Pensa lá ir?), mas o importante é a resposta, e o brilho nos olhos do nosso compatriota quando, nos casos idílicos, a celebridade confessa que um amigo seu é casado com uma neta de açorianos, que lhe contaram maravilhas da "luz" de Lisboa e que aguarda ansiosamente um convite para nos visitar.
Não sabia que é preciso convite para aterrar na Portela ou em Pedras Rubras. Sei que os portugueses se encantam genuinamente sempre que o país é identificado pelo "outro". Em parte, porque na maioria das vezes o "outro" não faz ideia de que o país, cujo nome geralmente nem se deram ao trabalho de traduzir, existe. Em parte, porque nós próprios temos dúvidas. No estrangeiro, ouvem-me falar esta língua misteriosa e tentam adivinhar se sou polaco, francês, argentino ou espanhol. Do alto do meu patriotismo, informo que sou português e observo a expressão parada do interlocutor ("Oh, portuguese"), quase a pedir desculpa por não ter mais nada a dizer. E não tem mesmo, excepto, às vezes, o nome de um jogador da bola ou de Magalhães, ignoro se o navegador ou o "portátil" barato. Com o patriotismo em baixo, procuro desanuviar o ambiente: "Não se preocupe, Portugal é realmente pequenino."
No Domingo passado, porém, Portugal pareceu gigante. Conforme os "media" caseiros repetiram insistentemente, Barack Obama enviou uma carta a Cavaco Silva em que pedia a indispensável colaboração do PR na construção de "um mundo mais seguro". Rádios, televisões e sites noticiosos entraram em rebuliço com a evidência de que Obama (e logo Obama!) não só reconhecia a existência de Portugal como era suficientemente íntimo da toponímia pátria para endereçar com sucesso uma carta a Belém, ainda por cima uma carta que colocava o chefe de Estado e, por inerência, dez milhões de cidadãos no centro dos desafios globais.
A folia durou horas, ou o tempo necessário para apurar que Obama mandara uma carta igualzinha a José Sócrates. E outra a Jaime Gama. E outra, suspeito, ao director da Carris. Ou seja, que Obama não mandou carta nenhuma, mas que alguém na Casa Branca, munido de um texto normalizado, de uma impressora e da lista dos membros da ONU, se dedicou a despachar um bilhete de cortesia aos titulares de órgãos de soberania das cento e tantas nações da Terra. No processo, Portugal mereceu o fatal relevo dado ao Togo, embora eu duvide que a euforia no Togo tenha sido comparável. E da melancolia subsequente nem é bom falar.
Terça-feira, 17 de Fevereiro
CABEÇA NO AR
Numa altura em que, por cá, a indignação face à intolerância do cardeal Saraiva Martins a propósito dos casamentos homossexuais substituiu a indignação face à intolerância do cardeal Patriarca a propósito dos casamentos entre cristãs e muçulmanos, convirá contar a história de Muzzammil Hassan. Em 2004, o sr. Hassan, árabe a viver nos EUA, fundou, com a mulher Aasiya, o canal de televisão Bridges (pontes), destinado a contrariar os "estereótipos negativos" dos islâmicos na América após o 11 de Setembro. Nas palavras deste crente dito moderado, o Bridges Tv mostraria a liberdade, o pacifismo, o progresso e o respeito pela diversidade pregados pelo Alcorão. Infelizmente, o sr. Hassan não dispunha de tempo para ver o próprio canal, já que em casa se ocupava a espancar a esposa por desobediência às leis divinas. A polícia foi chamada incontáveis vezes. Em Janeiro, Aasiya pediu o divórcio, que a sharia não admite sem o consentimento do marido. Há dias, o sr. Hassan cumpriu o castigo prescrito e decapitou a senhora. O corpo e a cabeça foram encontrados nos estúdios da Bridges Tv, não sei se em directo se em diferido. Embora pareça óbvio que prejudicou mais a imagem de Aasiya, um "amigo da família" afirmou que o crime iria "afectar a imagem do Islão". Com ou sem cabeça, o pobre Islão é sempre a vítima.
Quinta-feira, 19 de Fevereiro
CASAMENTOS ESCANDALOSOS
O grande debate sobre o casamento homossexual está a suscitar um debate subterrâneo e algo irónico sobre o impedimento dos casamentos polígamo e incestuoso. Os defensores do primeiro rejeitam a mistura ("absurda e ofensiva", garantem) com os segundos. Reaccionarismo? Para dizer o mínimo. Se apenas o preconceito e a lei que o reflecte impedem o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo, porquê distingui-lo das demais possibilidades de matrimónio e do combate aos demais preconceitos? É verdade que o activismo gay tenta explicar. Eu é que não percebo os argumentos.
Um dos argumentos pretende que, ao invés da poligamia e do incesto, a homossexualidade é identitária. A sério? Por regra, a identidade de uma minoria é conferida pela maioria. Mesmo descontada a célebre "boutade" de Gore Vidal ("homossexual é substantivo, não adjectivo"), é evidente que a definição de alguém enquanto homossexual teve na origem um carácter pejorativo que não estamos interessados em manter, pois não?
Outro argumento sustenta que o casamento gay não prejudica ninguém. Nem o poligâmico, desde que se assegure idêntico estatuto aos géneros. O Islão, em que o papel da mulher é legalmente subalterno, é péssimo exemplo. Para nem falar da hipótese da poliandria (união de uma mulher com vários homens), não é obrigatório que a poliginia (união de um homem com várias mulheres) corresponda a um sistema injusto. Quanto ao incesto, é possível que a sua interdição talvez tenha começado logo pelos problemas genéticos que a reprodução dentro da família imediata coloca, maçada erradicável numa época em que, como todos (excepto a dra. Ferreira Leite) compreendemos, o casamento não se resume à procriação.
O último argumento é o do barulho. Aparentemente, só importa discutir o casamento homossexual na medida em que só os homossexuais se organizam em grupos para combater a discriminação de que se dizem alvo. Mas não será que o poder reivindicativo do movimento gay mostra justamente a respeitabilidade que conquistou? E que a inexistência de campanhas em prol da poligamia e do incesto exprime o medo e a discriminação muito superiores a que os seus praticantes, reais ou platónicos, estão sujeitos? Nunca se sabe.
Não acho o assunto demasiado empolgante. Acho, porém, que se a ideia é acabar os preconceitos, conviria deixarmo-nos de hipocrisias e acabar com todos de uma vez, incluindo o que restringe o matrimónio a seres humanos. Os zoófilos também são gente, e se os desenhos animados não são, há gente empenhada em casar com eles (no Japão decorre uma petição para o efeito). Já que o casamento não tem de ser o que a lei define, pode ser o que um homem quiser. Ou dois homens. Ou três, sendo um deles uma mulher e os restantes os irmãos Metralha.
Sexta-feira, 20 de Fevereiro
OS PESOS E AS MEDIDAS
Porque é que Dias Loureiro já foi condenado em público num processo, o do BPN, em que nem sequer é arguido? Porque é que a presunção de inocência não se aplica a Dias Loureiro? Porque é que Dias Loureiro não suscita vozes reflectidas a censurar os julgamentos populares? Porque é que ninguém supõe existir uma campanha negra contra Dias Loureiro? Porque é que poucos ou nenhuns desconfiam da "instrumentalização política" das notícias sobre Dias Loureiro? Porque é que não se censura a violação do segredo de justiça a propósito do "caso" BPN e do respectivo envolvimento de Dias Loureiro? Porque é que as opiniões publicadas acerca de Dias Loureiro não primam pela cautela e pelos escrúpulos? Porque é quase unânime a exigência de que Dias Loureiro se demita imediatamente do Conselho de Estado em nome da respeitabilidade do cargo? Porque é que a direcção da Lusa não impõe a supressão da informação desagradável relativa a Dias Loureiro? Porque é que a PGR não emite comunicados regulares a fim de proteger o bom nome de Dias Loureiro?
Juro: não tenho a mais vaga admiração, ou até simpatia, pelo indivíduo. Tenho apenas curiosidade em comparar o tratamento que lhe é dispensado à decência recomendada em histórias que eu julgava idênticas, não que de momento me ocorra alguma.
DN
Alberto Gonçalves
Sociólogo albertog@netcabo.pt
Segunda-feira, 16 de Fevereiro
NÃO SABER DE QUE TERRA SOMOS
Há um momento imperdível em todas as entrevistas de correspondentes indígenas a celebridades internacionais do espectáculo. É aquele em que, após os preliminares, o correspondente dispara a pergunta obrigatória sobre Portugal. A pergunta pode ser posta de várias maneiras (Gosta de Portugal? Já lá esteve? Pensa lá ir?), mas o importante é a resposta, e o brilho nos olhos do nosso compatriota quando, nos casos idílicos, a celebridade confessa que um amigo seu é casado com uma neta de açorianos, que lhe contaram maravilhas da "luz" de Lisboa e que aguarda ansiosamente um convite para nos visitar.
Não sabia que é preciso convite para aterrar na Portela ou em Pedras Rubras. Sei que os portugueses se encantam genuinamente sempre que o país é identificado pelo "outro". Em parte, porque na maioria das vezes o "outro" não faz ideia de que o país, cujo nome geralmente nem se deram ao trabalho de traduzir, existe. Em parte, porque nós próprios temos dúvidas. No estrangeiro, ouvem-me falar esta língua misteriosa e tentam adivinhar se sou polaco, francês, argentino ou espanhol. Do alto do meu patriotismo, informo que sou português e observo a expressão parada do interlocutor ("Oh, portuguese"), quase a pedir desculpa por não ter mais nada a dizer. E não tem mesmo, excepto, às vezes, o nome de um jogador da bola ou de Magalhães, ignoro se o navegador ou o "portátil" barato. Com o patriotismo em baixo, procuro desanuviar o ambiente: "Não se preocupe, Portugal é realmente pequenino."
No Domingo passado, porém, Portugal pareceu gigante. Conforme os "media" caseiros repetiram insistentemente, Barack Obama enviou uma carta a Cavaco Silva em que pedia a indispensável colaboração do PR na construção de "um mundo mais seguro". Rádios, televisões e sites noticiosos entraram em rebuliço com a evidência de que Obama (e logo Obama!) não só reconhecia a existência de Portugal como era suficientemente íntimo da toponímia pátria para endereçar com sucesso uma carta a Belém, ainda por cima uma carta que colocava o chefe de Estado e, por inerência, dez milhões de cidadãos no centro dos desafios globais.
A folia durou horas, ou o tempo necessário para apurar que Obama mandara uma carta igualzinha a José Sócrates. E outra a Jaime Gama. E outra, suspeito, ao director da Carris. Ou seja, que Obama não mandou carta nenhuma, mas que alguém na Casa Branca, munido de um texto normalizado, de uma impressora e da lista dos membros da ONU, se dedicou a despachar um bilhete de cortesia aos titulares de órgãos de soberania das cento e tantas nações da Terra. No processo, Portugal mereceu o fatal relevo dado ao Togo, embora eu duvide que a euforia no Togo tenha sido comparável. E da melancolia subsequente nem é bom falar.
Terça-feira, 17 de Fevereiro
CABEÇA NO AR
Numa altura em que, por cá, a indignação face à intolerância do cardeal Saraiva Martins a propósito dos casamentos homossexuais substituiu a indignação face à intolerância do cardeal Patriarca a propósito dos casamentos entre cristãs e muçulmanos, convirá contar a história de Muzzammil Hassan. Em 2004, o sr. Hassan, árabe a viver nos EUA, fundou, com a mulher Aasiya, o canal de televisão Bridges (pontes), destinado a contrariar os "estereótipos negativos" dos islâmicos na América após o 11 de Setembro. Nas palavras deste crente dito moderado, o Bridges Tv mostraria a liberdade, o pacifismo, o progresso e o respeito pela diversidade pregados pelo Alcorão. Infelizmente, o sr. Hassan não dispunha de tempo para ver o próprio canal, já que em casa se ocupava a espancar a esposa por desobediência às leis divinas. A polícia foi chamada incontáveis vezes. Em Janeiro, Aasiya pediu o divórcio, que a sharia não admite sem o consentimento do marido. Há dias, o sr. Hassan cumpriu o castigo prescrito e decapitou a senhora. O corpo e a cabeça foram encontrados nos estúdios da Bridges Tv, não sei se em directo se em diferido. Embora pareça óbvio que prejudicou mais a imagem de Aasiya, um "amigo da família" afirmou que o crime iria "afectar a imagem do Islão". Com ou sem cabeça, o pobre Islão é sempre a vítima.
Quinta-feira, 19 de Fevereiro
CASAMENTOS ESCANDALOSOS
O grande debate sobre o casamento homossexual está a suscitar um debate subterrâneo e algo irónico sobre o impedimento dos casamentos polígamo e incestuoso. Os defensores do primeiro rejeitam a mistura ("absurda e ofensiva", garantem) com os segundos. Reaccionarismo? Para dizer o mínimo. Se apenas o preconceito e a lei que o reflecte impedem o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo, porquê distingui-lo das demais possibilidades de matrimónio e do combate aos demais preconceitos? É verdade que o activismo gay tenta explicar. Eu é que não percebo os argumentos.
Um dos argumentos pretende que, ao invés da poligamia e do incesto, a homossexualidade é identitária. A sério? Por regra, a identidade de uma minoria é conferida pela maioria. Mesmo descontada a célebre "boutade" de Gore Vidal ("homossexual é substantivo, não adjectivo"), é evidente que a definição de alguém enquanto homossexual teve na origem um carácter pejorativo que não estamos interessados em manter, pois não?
Outro argumento sustenta que o casamento gay não prejudica ninguém. Nem o poligâmico, desde que se assegure idêntico estatuto aos géneros. O Islão, em que o papel da mulher é legalmente subalterno, é péssimo exemplo. Para nem falar da hipótese da poliandria (união de uma mulher com vários homens), não é obrigatório que a poliginia (união de um homem com várias mulheres) corresponda a um sistema injusto. Quanto ao incesto, é possível que a sua interdição talvez tenha começado logo pelos problemas genéticos que a reprodução dentro da família imediata coloca, maçada erradicável numa época em que, como todos (excepto a dra. Ferreira Leite) compreendemos, o casamento não se resume à procriação.
O último argumento é o do barulho. Aparentemente, só importa discutir o casamento homossexual na medida em que só os homossexuais se organizam em grupos para combater a discriminação de que se dizem alvo. Mas não será que o poder reivindicativo do movimento gay mostra justamente a respeitabilidade que conquistou? E que a inexistência de campanhas em prol da poligamia e do incesto exprime o medo e a discriminação muito superiores a que os seus praticantes, reais ou platónicos, estão sujeitos? Nunca se sabe.
Não acho o assunto demasiado empolgante. Acho, porém, que se a ideia é acabar os preconceitos, conviria deixarmo-nos de hipocrisias e acabar com todos de uma vez, incluindo o que restringe o matrimónio a seres humanos. Os zoófilos também são gente, e se os desenhos animados não são, há gente empenhada em casar com eles (no Japão decorre uma petição para o efeito). Já que o casamento não tem de ser o que a lei define, pode ser o que um homem quiser. Ou dois homens. Ou três, sendo um deles uma mulher e os restantes os irmãos Metralha.
Sexta-feira, 20 de Fevereiro
OS PESOS E AS MEDIDAS
Porque é que Dias Loureiro já foi condenado em público num processo, o do BPN, em que nem sequer é arguido? Porque é que a presunção de inocência não se aplica a Dias Loureiro? Porque é que Dias Loureiro não suscita vozes reflectidas a censurar os julgamentos populares? Porque é que ninguém supõe existir uma campanha negra contra Dias Loureiro? Porque é que poucos ou nenhuns desconfiam da "instrumentalização política" das notícias sobre Dias Loureiro? Porque é que não se censura a violação do segredo de justiça a propósito do "caso" BPN e do respectivo envolvimento de Dias Loureiro? Porque é que as opiniões publicadas acerca de Dias Loureiro não primam pela cautela e pelos escrúpulos? Porque é quase unânime a exigência de que Dias Loureiro se demita imediatamente do Conselho de Estado em nome da respeitabilidade do cargo? Porque é que a direcção da Lusa não impõe a supressão da informação desagradável relativa a Dias Loureiro? Porque é que a PGR não emite comunicados regulares a fim de proteger o bom nome de Dias Loureiro?
Juro: não tenho a mais vaga admiração, ou até simpatia, pelo indivíduo. Tenho apenas curiosidade em comparar o tratamento que lhe é dispensado à decência recomendada em histórias que eu julgava idênticas, não que de momento me ocorra alguma.
DN
Na bolsa só se perde dinheiro.Na realidade só certos Iluminados com acesso a informação privilegiada aproveitam-se dos pequenos investidores para lhes sugarem o dinheiro.
Off-Topic-Dias Contados
Alberto Gonçalves
Sociólogo albertog@netcabo.pt
domingo, 1 de Fevereiro
MENTES BRILHANTES
O sr. Manuel Pedro, um dos sócios da empresa suspeita de pagar "luvas" para o licenciamento do Freeport, negou publicamente que tenha pago "luvas" para o licenciamento do Freeport. Na perspectiva do leigo, o testemunho do eventual criminoso não esgota a investigação do crime. Já na perspectiva de um jurista conceituado como Vital Moreira, esgota, sim senhor: perante as afirmações do sr. Pedro, o dr. Vital considera "categoricamente desmentidas" os rumores de ilegalidade na aprovação do empreendimento. O caso Freeport, portanto, terminou, faleceu, está encerrado, deu o que tinha a dar, foi-se.
Enquanto durou, ou pelo menos enquanto durou segundo os critérios do dr. Vital, o folhetim do outlet obscureceu todas as demais notícias, incluindo a de que Manuel Coelho, presidente da Câmara de Sines, saiu do PCP ao fim de 35 anos alegando "razões profundas".
Admito não se tratar exactamente de uma notícia: de vez em quando, um qualquer comunista "histórico" descobre que, afinal, o Partido revela certas carências democráticas e bate com a porta, entre resmungos e promessa de abrigo em partido concorrente (por regra, o PS). Os ex-camaradas dedicam ao trânsfuga um punhado de comentários sarcásticos e o epíteto de traidor. Mais tarde, muitos seguem-lhe o caminho.
O ritual compreende-se. Não se compreende o tempo necessário para que cada comunista perceba onde se meteu. Por viciante que aquilo seja, até um toxicómano desconfia ao fim de semanas que não foi boa ideia adquirir a primeira dose. Tipicamente, o sr. Coelho de Sines precisou de meia vida para notar que o PCP é, cito, "uma organização dogmática", "estalinizada", "esclerosada", "reaccionária" e "retrógrada". Porém, se não me falha a memória, o PCP já era tudo isso há três décadas e meia, quando o sr. Coelho lá chegou.
Ignoro se o PCP atrai pessoas de discernimento lento ou se o discernimento abranda quando as pessoas entram no PCP. A verdade é uma: quando saem, o raciocínio torna-se mais rápido que a realidade, como de resto o dr. Vital Moreira é prova viva.
quarta-feira, 4 de Fevereiro
A POCILGA
Em Janeiro passado, o mundo indignou-se com o mortífero ataque das tropas israelitas a uma escola da ONU em Gaza. Agora, após breve investigação de um jornal canadiano, a ONU discretamente admite que a escola nem sequer foi atacada. Nada de novo. Em cada conflito armado entre Israel e os seus amáveis vizinhos, há sempre um punhado de "massacres" que, assente a poeira, se revelam inexistentes. O exercício alimenta a propaganda de organizações terroristas, a busca dos "media" por sangue palestiniano, o próspero anti-semitismo global e, naturalmente, a agenda da ONU, neste particular parte envolvida, ainda que de modo imaginário.
Claro que o envolvimento da ONU com os bandos criminosos da região não é apenas ficcional. Para não sairmos de Gaza (salvo seja), é tocante a facilidade com que membros do Hamas circulam pelas instalações das Nações Unidas no território, convertendo-as em arsenais, postos de combate ou, nos momentos de sossego, salas de conferências subordinadas ao tema "A Urgente Extinção de Israel". Fora de Gaza, a essência da ONU exprime-se por exemplo no seu Conselho dos Direitos Humanos, que possui a divertida característica de ser maioritariamente constituído por tiranias e cujo trabalho consiste em produzir "resoluções" contra Israel (cerca de 80% das aprovadas). Ou, também a título de exemplo, no seu presidente da Assembleia Geral, o qual, em observância à emérita tradição do cargo, é actualmente um padre maluco e comunista, que desfila em público a sua amizade pelo presidente do Irão e o seu nojo ao "estado hebraico".
A ONU, instituição democrática que integra jurados inimigos da democracia, é isto. Se calhar não seria justo exigir que fosse outra coisa, nem esperar que gente séria a levasse a sério. A máxima é velha: brincar com os porcos suja-nos a todos, mas os porcos gostam.
quinta-feira, 5 de Fevereiro
UM MINISTRO
A propósito dos 150 mil empregos prometidos no início do mandato, um cartaz da JSD chama ao primeiro-ministro Pinócrates e retrata-o com um nariz comprido. Excepto, julgo, pelo apêndice na fotografia, o cartaz é factualmente correcto, humoristicamente fraquinho e nada polémico. Apesar disso, irritou o fatal ministro da Propaganda, que fala em "assassinato de carácter" do eng. Sócrates.
Aparentemente, as únicas referências aceitáveis ao patrão do dr. Santos Silva são as que começam por "Sua Excelência", prosseguem com a evocação da sorte que temos por dispor de um líder assim e terminam com prolongada vénia e hérnia discal. Menos que isto, há "assassinato de carácter" ou "campanha negra".
O dr. Santos Silva é um indivíduo intrigante. Desde logo, a mim intrigava-me não perceber se o respectivo zelo é profissional ou vocacional. Dito de outra maneira, não sabia se o dr. Santos Silva se presta àquele papel a troco do salário ou do gozo. Segundo o próprio, é do gozo: ouvi-o na TSF confessar o "especial prazer" que lhe dá "malhar na direita" e "nesses sujeitos e sujeitas" que "se dizem de esquerda plebeia ou chique". Como, de caminho, o dr. Santos Silva malha igualmente nos socialistas descontentes, é legítimo deduzir que o homem espanca qualquer criatura que não beije o chão pisado pelo eng. Sócrates. E que o faz por gosto.
Preferia que o fizesse por dinheiro, que sempre é uma justificação racional para as figuras tristes. Sendo desinteressada e espontânea, tamanha adulação ao chefe assusta. É verdade que, em democracia, também diverte. Mas não custa adivinhar que a democracia está longe de ser o regime mais propenso ao passatempo do dr. Santos Silva: imagine-se o especialíssimo prazer dele num regime ideal.
sexta-feira, 6 de Fevereiro
O ÓPIO DE ALGUNS ATEUS
Em Espanha, o debate teológico corre animado. E profundo. Primeiro foram os autocarros com dísticos, importados de Inglaterra, a negar a existência de Deus. Depois surgiram os autocarros com dísticos, de inspiração local, a afirmar a existência de Deus. Em seguida, a Igreja Católica acusou os autocarros ateus de blasfémia. Agora, associações de ateus e ateus avulsos usam a acusação enquanto prova cabal de que todas as religiões são iguais na intolerância.
De certeza? Para lá da infantilidade de ambas as campanhas, a generalização será talvez abusiva. Os inconsequentes protestos da Igreja espanhola não são a mesma coisa que a condenação à morte de Salman Rushdie pelo ayatollah Khomeini, há exactamente vinte anos. De igual modo, a opinião do Vaticano acerca do casamento gay não equivale ao assassínio de diversos agentes (tradutores, livreiros, etc.) ligados aos Versículos Satânicos, e a recusa católica dos preservativos não possui a gravidade dos crimes consumados ou tentados que, de então para cá, a referência ou representação menos abonatória de Maomé crescentemente suscitam.
No nosso tempo, que no caso é o que importa, não é vasta a lista de católicos, protestantes, judeus ou xintoístas acusados de violência motivada pela intransigência, a qual se costuma quedar pela discórdia teórica e relativamente civilizada. A fúria fundamentalista capaz de influenciar as nossas vidas é quase exclusiva do Islão, e transformar a tonta disputa dos autocarros num argumento "revelador" dos idênticos perigos de qualquer crença procura não só relativizar essa fúria, mas legitimá-la.
É estranho serem ateus a redimir, pelo menos por omissão, a imagem da única ameaça religiosa contemporânea. A estranheza esvai-se se pensarmos no tipo de ateus em causa, provavelmente dos que se indignam com um crucifixo na parede e se enfeitam com lenços palestinianos, dos que exigem a ordenação sacerdotal das mulheres e ignoram a sua lapidação. Às vezes, o problema dessa gente não parece prender-se com as religiões: apenas com as religiões que a História subordinou ao Estado, como se a cedência aos sistemas democráticos que abominam lhes fosse insuportável. Convém lembrar que, comovidos face ao poder absoluto, inúmeros ateus ocidentais celebraram a ascensão de Khomeini na alegria que haviam dedicado à maioria das erupções totalitárias do século. É possível que os ateus dos autocarros sejam seus nostálgicos herdeiros. É garantido que semelhante, e absurda, militância enxovalha o ateísmo autêntico que partilho, sem orgulho e normalmente sem vergonha.
Diário Noticias
Sociólogo albertog@netcabo.pt
domingo, 1 de Fevereiro
MENTES BRILHANTES
O sr. Manuel Pedro, um dos sócios da empresa suspeita de pagar "luvas" para o licenciamento do Freeport, negou publicamente que tenha pago "luvas" para o licenciamento do Freeport. Na perspectiva do leigo, o testemunho do eventual criminoso não esgota a investigação do crime. Já na perspectiva de um jurista conceituado como Vital Moreira, esgota, sim senhor: perante as afirmações do sr. Pedro, o dr. Vital considera "categoricamente desmentidas" os rumores de ilegalidade na aprovação do empreendimento. O caso Freeport, portanto, terminou, faleceu, está encerrado, deu o que tinha a dar, foi-se.
Enquanto durou, ou pelo menos enquanto durou segundo os critérios do dr. Vital, o folhetim do outlet obscureceu todas as demais notícias, incluindo a de que Manuel Coelho, presidente da Câmara de Sines, saiu do PCP ao fim de 35 anos alegando "razões profundas".
Admito não se tratar exactamente de uma notícia: de vez em quando, um qualquer comunista "histórico" descobre que, afinal, o Partido revela certas carências democráticas e bate com a porta, entre resmungos e promessa de abrigo em partido concorrente (por regra, o PS). Os ex-camaradas dedicam ao trânsfuga um punhado de comentários sarcásticos e o epíteto de traidor. Mais tarde, muitos seguem-lhe o caminho.
O ritual compreende-se. Não se compreende o tempo necessário para que cada comunista perceba onde se meteu. Por viciante que aquilo seja, até um toxicómano desconfia ao fim de semanas que não foi boa ideia adquirir a primeira dose. Tipicamente, o sr. Coelho de Sines precisou de meia vida para notar que o PCP é, cito, "uma organização dogmática", "estalinizada", "esclerosada", "reaccionária" e "retrógrada". Porém, se não me falha a memória, o PCP já era tudo isso há três décadas e meia, quando o sr. Coelho lá chegou.
Ignoro se o PCP atrai pessoas de discernimento lento ou se o discernimento abranda quando as pessoas entram no PCP. A verdade é uma: quando saem, o raciocínio torna-se mais rápido que a realidade, como de resto o dr. Vital Moreira é prova viva.
quarta-feira, 4 de Fevereiro
A POCILGA
Em Janeiro passado, o mundo indignou-se com o mortífero ataque das tropas israelitas a uma escola da ONU em Gaza. Agora, após breve investigação de um jornal canadiano, a ONU discretamente admite que a escola nem sequer foi atacada. Nada de novo. Em cada conflito armado entre Israel e os seus amáveis vizinhos, há sempre um punhado de "massacres" que, assente a poeira, se revelam inexistentes. O exercício alimenta a propaganda de organizações terroristas, a busca dos "media" por sangue palestiniano, o próspero anti-semitismo global e, naturalmente, a agenda da ONU, neste particular parte envolvida, ainda que de modo imaginário.
Claro que o envolvimento da ONU com os bandos criminosos da região não é apenas ficcional. Para não sairmos de Gaza (salvo seja), é tocante a facilidade com que membros do Hamas circulam pelas instalações das Nações Unidas no território, convertendo-as em arsenais, postos de combate ou, nos momentos de sossego, salas de conferências subordinadas ao tema "A Urgente Extinção de Israel". Fora de Gaza, a essência da ONU exprime-se por exemplo no seu Conselho dos Direitos Humanos, que possui a divertida característica de ser maioritariamente constituído por tiranias e cujo trabalho consiste em produzir "resoluções" contra Israel (cerca de 80% das aprovadas). Ou, também a título de exemplo, no seu presidente da Assembleia Geral, o qual, em observância à emérita tradição do cargo, é actualmente um padre maluco e comunista, que desfila em público a sua amizade pelo presidente do Irão e o seu nojo ao "estado hebraico".
A ONU, instituição democrática que integra jurados inimigos da democracia, é isto. Se calhar não seria justo exigir que fosse outra coisa, nem esperar que gente séria a levasse a sério. A máxima é velha: brincar com os porcos suja-nos a todos, mas os porcos gostam.
quinta-feira, 5 de Fevereiro
UM MINISTRO
A propósito dos 150 mil empregos prometidos no início do mandato, um cartaz da JSD chama ao primeiro-ministro Pinócrates e retrata-o com um nariz comprido. Excepto, julgo, pelo apêndice na fotografia, o cartaz é factualmente correcto, humoristicamente fraquinho e nada polémico. Apesar disso, irritou o fatal ministro da Propaganda, que fala em "assassinato de carácter" do eng. Sócrates.
Aparentemente, as únicas referências aceitáveis ao patrão do dr. Santos Silva são as que começam por "Sua Excelência", prosseguem com a evocação da sorte que temos por dispor de um líder assim e terminam com prolongada vénia e hérnia discal. Menos que isto, há "assassinato de carácter" ou "campanha negra".
O dr. Santos Silva é um indivíduo intrigante. Desde logo, a mim intrigava-me não perceber se o respectivo zelo é profissional ou vocacional. Dito de outra maneira, não sabia se o dr. Santos Silva se presta àquele papel a troco do salário ou do gozo. Segundo o próprio, é do gozo: ouvi-o na TSF confessar o "especial prazer" que lhe dá "malhar na direita" e "nesses sujeitos e sujeitas" que "se dizem de esquerda plebeia ou chique". Como, de caminho, o dr. Santos Silva malha igualmente nos socialistas descontentes, é legítimo deduzir que o homem espanca qualquer criatura que não beije o chão pisado pelo eng. Sócrates. E que o faz por gosto.
Preferia que o fizesse por dinheiro, que sempre é uma justificação racional para as figuras tristes. Sendo desinteressada e espontânea, tamanha adulação ao chefe assusta. É verdade que, em democracia, também diverte. Mas não custa adivinhar que a democracia está longe de ser o regime mais propenso ao passatempo do dr. Santos Silva: imagine-se o especialíssimo prazer dele num regime ideal.
sexta-feira, 6 de Fevereiro
O ÓPIO DE ALGUNS ATEUS
Em Espanha, o debate teológico corre animado. E profundo. Primeiro foram os autocarros com dísticos, importados de Inglaterra, a negar a existência de Deus. Depois surgiram os autocarros com dísticos, de inspiração local, a afirmar a existência de Deus. Em seguida, a Igreja Católica acusou os autocarros ateus de blasfémia. Agora, associações de ateus e ateus avulsos usam a acusação enquanto prova cabal de que todas as religiões são iguais na intolerância.
De certeza? Para lá da infantilidade de ambas as campanhas, a generalização será talvez abusiva. Os inconsequentes protestos da Igreja espanhola não são a mesma coisa que a condenação à morte de Salman Rushdie pelo ayatollah Khomeini, há exactamente vinte anos. De igual modo, a opinião do Vaticano acerca do casamento gay não equivale ao assassínio de diversos agentes (tradutores, livreiros, etc.) ligados aos Versículos Satânicos, e a recusa católica dos preservativos não possui a gravidade dos crimes consumados ou tentados que, de então para cá, a referência ou representação menos abonatória de Maomé crescentemente suscitam.
No nosso tempo, que no caso é o que importa, não é vasta a lista de católicos, protestantes, judeus ou xintoístas acusados de violência motivada pela intransigência, a qual se costuma quedar pela discórdia teórica e relativamente civilizada. A fúria fundamentalista capaz de influenciar as nossas vidas é quase exclusiva do Islão, e transformar a tonta disputa dos autocarros num argumento "revelador" dos idênticos perigos de qualquer crença procura não só relativizar essa fúria, mas legitimá-la.
É estranho serem ateus a redimir, pelo menos por omissão, a imagem da única ameaça religiosa contemporânea. A estranheza esvai-se se pensarmos no tipo de ateus em causa, provavelmente dos que se indignam com um crucifixo na parede e se enfeitam com lenços palestinianos, dos que exigem a ordenação sacerdotal das mulheres e ignoram a sua lapidação. Às vezes, o problema dessa gente não parece prender-se com as religiões: apenas com as religiões que a História subordinou ao Estado, como se a cedência aos sistemas democráticos que abominam lhes fosse insuportável. Convém lembrar que, comovidos face ao poder absoluto, inúmeros ateus ocidentais celebraram a ascensão de Khomeini na alegria que haviam dedicado à maioria das erupções totalitárias do século. É possível que os ateus dos autocarros sejam seus nostálgicos herdeiros. É garantido que semelhante, e absurda, militância enxovalha o ateísmo autêntico que partilho, sem orgulho e normalmente sem vergonha.
Diário Noticias
Na bolsa só se perde dinheiro.Na realidade só certos Iluminados com acesso a informação privilegiada aproveitam-se dos pequenos investidores para lhes sugarem o dinheiro.
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