Portugal no grupo dos países europeus mais afectados
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Portugal no grupo dos países europeus mais afectados
in Diario Economico
Martin Wolf coloca Portugal no grupo dos países europeus mais afectados pela recessão
Os europeus convenceram-se que a recessão americana era um castigo sem consequências
Martin Wolf
Chamo a isto um momento “ups”: os Estados Unidos entraram em recessão. Os europeus convenceram-se de que este merecido castigo pouco ou nada lhes dizia respeito até a economia europeia começar a abrandar inesperadamente. Os Estados Unidos fazem tudo por tudo para repor o crescimento no bom caminho. Por fim, recuperam da situação e deixam a Europa a agonizar.
Não pense o leitor que se trata de uma mera desaceleração. Trata-se também de uma crise financeira. Que sucederia se a solvência de um dos membros da zona euro fosse posta em causa? Com efeito, tanto os ‘spreads’ dos títulos de dívida pública alemães como os preços das ‘swaps’ de incumprimento de crédito já subiram, afectando em particular países como a Bélgica, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha.
Os membros da zona euro são como os governos locais. Se não conseguirem refinanciar a sua dívida terão de enfrentar um de dois cenários: incumprimento ou resgate. No entanto, o facto de o ‘spread’ grego estar acima dos 165 pontos base não significa que o incumprimento seja o desenlace mais provável. E também não se pode dizer que a actual taxa de juro – 4,7% - seja impossível de gerir. Mas é sabido que os mercados podem mudar a um ritmo surpreendente. E é possível que ocorra uma “súbita paragem” nas obrigações de dívida pública de maior risco, situação que obrigaria a equacionar a dívida a curto prazo. Por outras palavras, o clássico caminho para a crise.
A aparente eliminação do risco cambial não eliminou o risco propriamente dito. Na zona euro, por exemplo, a inflação e os riscos cambiais acabaram por se transformar em riscos de crédito. Assim sendo, impõe-se perguntar: o que determina o risco do crédito público? A tradicional abordagem europeia focaliza-se apenas nos défices orçamentais visíveis e na dívida. Ou seja, faz uma leitura extremamente limitada não só porque ignora a dívida pública contingente, mas porque acima de tudo ignora o balanço nacional e, consequentemente, os estreitos laços que existem entre os balanços do sector público e privado. Acresce que também ignora a balança de pagamentos. Muitas vezes se diz que a balança de transacções correntes não é relevante numa união monetária. Verdade, uma vez que não pode ocorrer uma crise cambial. Mas também é falso porque se pode verificar uma crise de crédito.
Se um país regista um défice na balança de transacções correntes, os residentes terão que vender os títulos de dívida a estrangeiros. Se forem as partes privadas a vender os títulos de dívida, os fornecedores estrangeiros de fundos terão que confiar na sua solvência. Se for o sector público a vender, os fornecedores também terão de acreditar na sua solvência.
Ora, quando a parte nacional do défice externo é constituída pelo défice do sector privado, o ‘boom’ no fornecimento de produtos não transaccionáveis passa a assumir o papel de motor da economia. Desta história fazem ainda parte as bolhas imobiliárias, como ficou bem patente nos últimos tempos na Irlanda e em Espanha (bem como nos EUA e Reino Unido).
Que poderá acontecer se este ‘boom’ entrar em colapso? A oferta de emitentes privados com solvabilidade financeira será seguramente mais reduzida e os influxos de capital poderão encarecer ou ser mais restritos. Isto fará com que se registem três cenários. Primeiro, a economia vai abrandar. Segundo, o défice externo vai diminuir. Terceiro, o défice orçamental vai agravar-se. E quanto mais determinadas forem as medidas tomadas para compensar o défice orçamental, menor será a redução do défice da balança de transacções correntes e menor o abrandamento da economia.
Se a capacidade competitiva internacional de um dado país for relativamente fraca, se o seu mercado de trabalho for inflexível e se a taxa de câmbio for irrevogavelmente fixa, o fim do ‘boom’ imobiliário irá certamente reduzir a procura interna sem que daqui resulte uma expansão significativa das exportações líquidas. A deterioração orçamental será, pois, abrangente e sustentada.
Enquanto o défice do sector privado evolui para uma situação de excedente, o sector público caminha na direcção inversa. A Irlanda é um caso dramático: segundo o último relatório da OCDE sobre as “Perspectivas Económicas”, o défice orçamental deste país passou de um excedente de 3% do PIB para um défice de 7,1% entre 2006 e 2009.
No que respeita ao défice orçamental de Espanha, estima-se que passe de excedentário (2% do PIB) a deficitário (2,9% do PIB) durante o mesmo período. A isto soma-se o facto de Espanha registar também um elevado défice na balança de transacções correntes. Mas há mais. O sector privado também regista um défice significativo que deverá ascender em 2009 aos 4,5% do PIB. Se este diminuísse mais depressa do que esperado – o que pode perfeitamente acontecer nas actuais circunstâncias -, o abrandamento da economia e o recrudescimento do défice orçamental seriam ainda maiores.
De entre os membros da zona euro que hoje apresentam elevados défices financeiros na balança de transacções correntes e no sector privado contam-se Portugal e a Grécia, cujo sector público, a par de Itália e Bélgica, apresenta um dos mais elevados níveis de endividamento. Os seis países aqui invocados são, pois, os mais vulneráveis, com particular destaque para a Grécia.
Mas até que ponto poderá ocorrer uma crise orçamental? Tudo depende da duração e da profundidade da recessão na zona euro, da dívida pública inicial dos seus membros, da credibilidade das suas autoridades orçamentais, das dificuldades que terão em melhorar a concorrência externa e, não menos importante, se a crise vai ou não ocorrer nalgum destes países. Importa não esquecer que o pânico é contagioso.
Podemos interpretar a decisão que o Banco Central Europeu tomou na semana passada, de baixar as taxas de juro em 0,75 pontos percentuais, como um sinal de que está atento aos perigos, muito embora se possa dizer que a redução peca por insuficiente e tardia. Todavia, é impossível escapar ao problema central, isto é, às características da Alemanha enquanto âncora da economia da zona euro. E o problema da zona euro não reside no facto de ser um aglomerado de países. Reside, sim, no facto de o principal país que a integra ter características tão distintas.
E quais são, afinal, as características da Alemanha? Tem uma indústria transformadora extremamente competitiva; é um país com excedentes crónicos e uma procura interna estruturalmente fraca (que melhorou temporariamente durante a reunificação); e soube evitar ‘booms’ imobiliários e de crédito internos. Aparentemente, a elite alemã mostra-se indiferente à taxa de crescimento económico do país, mesmo a médio prazo, preferindo focalizar-se obsessivamente nos perigos da inflação. Além disso, considera imorais todos os países que gastem acima do seu rendimento.
Os alemães afirmam, e com razão, que o seu país é um exemplo de integridade e rectidão. Mas poderá ser difícil para os países ditos “normais” pautar-se por estes parâmetros. É claro que os restantes membros da zona euro optaram por seguir esta via. No entanto, países com excedentes estruturais, como é o caso da Alemanha, muitas vezes forçam os seus parceiros a gerir défices que os alemães desprezam. Nas actuais circunstâncias, esses défices, que são “deflacionários”, podem fazer disparar a taxa de incumprimento do sector privado e, eventualmente, do sector público.
Seja como for, até que ponto se irá admitir que um governo da zona euro incorra em incumprimento? Se sim, será resgatado? Se for, quem irá assumir esse resgate e qual o preço a pagar? É muito provável que o mundo não tarde em sabê-lo. Quem sabe a solução passa pelo federalismo orçamental. Ou não. A resposta poderá ser mais caótica e, nesse caso, alguns países poderão sofrer graves danos.
Se a retoma for robusta este risco será eliminado. E se isso acontecer sabe-se desde já qual será a fonte da retoma. Não a Alemanha nem as suas medidas para sustentar a procura interna, antes os imorais “anglo-saxónicos”. A Europa terá uma vez mais o prazer de condenar os Estados Unidos pelo seu hedonismo ao mesmo tempo que dele desfruta. Por outras palavras, trata-se da habitual estratégia ‘win-win’, isto é, todos saem a ganhar.
Martin Wolf coloca Portugal no grupo dos países europeus mais afectados pela recessão
Os europeus convenceram-se que a recessão americana era um castigo sem consequências
Martin Wolf
Chamo a isto um momento “ups”: os Estados Unidos entraram em recessão. Os europeus convenceram-se de que este merecido castigo pouco ou nada lhes dizia respeito até a economia europeia começar a abrandar inesperadamente. Os Estados Unidos fazem tudo por tudo para repor o crescimento no bom caminho. Por fim, recuperam da situação e deixam a Europa a agonizar.
Não pense o leitor que se trata de uma mera desaceleração. Trata-se também de uma crise financeira. Que sucederia se a solvência de um dos membros da zona euro fosse posta em causa? Com efeito, tanto os ‘spreads’ dos títulos de dívida pública alemães como os preços das ‘swaps’ de incumprimento de crédito já subiram, afectando em particular países como a Bélgica, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha.
Os membros da zona euro são como os governos locais. Se não conseguirem refinanciar a sua dívida terão de enfrentar um de dois cenários: incumprimento ou resgate. No entanto, o facto de o ‘spread’ grego estar acima dos 165 pontos base não significa que o incumprimento seja o desenlace mais provável. E também não se pode dizer que a actual taxa de juro – 4,7% - seja impossível de gerir. Mas é sabido que os mercados podem mudar a um ritmo surpreendente. E é possível que ocorra uma “súbita paragem” nas obrigações de dívida pública de maior risco, situação que obrigaria a equacionar a dívida a curto prazo. Por outras palavras, o clássico caminho para a crise.
A aparente eliminação do risco cambial não eliminou o risco propriamente dito. Na zona euro, por exemplo, a inflação e os riscos cambiais acabaram por se transformar em riscos de crédito. Assim sendo, impõe-se perguntar: o que determina o risco do crédito público? A tradicional abordagem europeia focaliza-se apenas nos défices orçamentais visíveis e na dívida. Ou seja, faz uma leitura extremamente limitada não só porque ignora a dívida pública contingente, mas porque acima de tudo ignora o balanço nacional e, consequentemente, os estreitos laços que existem entre os balanços do sector público e privado. Acresce que também ignora a balança de pagamentos. Muitas vezes se diz que a balança de transacções correntes não é relevante numa união monetária. Verdade, uma vez que não pode ocorrer uma crise cambial. Mas também é falso porque se pode verificar uma crise de crédito.
Se um país regista um défice na balança de transacções correntes, os residentes terão que vender os títulos de dívida a estrangeiros. Se forem as partes privadas a vender os títulos de dívida, os fornecedores estrangeiros de fundos terão que confiar na sua solvência. Se for o sector público a vender, os fornecedores também terão de acreditar na sua solvência.
Ora, quando a parte nacional do défice externo é constituída pelo défice do sector privado, o ‘boom’ no fornecimento de produtos não transaccionáveis passa a assumir o papel de motor da economia. Desta história fazem ainda parte as bolhas imobiliárias, como ficou bem patente nos últimos tempos na Irlanda e em Espanha (bem como nos EUA e Reino Unido).
Que poderá acontecer se este ‘boom’ entrar em colapso? A oferta de emitentes privados com solvabilidade financeira será seguramente mais reduzida e os influxos de capital poderão encarecer ou ser mais restritos. Isto fará com que se registem três cenários. Primeiro, a economia vai abrandar. Segundo, o défice externo vai diminuir. Terceiro, o défice orçamental vai agravar-se. E quanto mais determinadas forem as medidas tomadas para compensar o défice orçamental, menor será a redução do défice da balança de transacções correntes e menor o abrandamento da economia.
Se a capacidade competitiva internacional de um dado país for relativamente fraca, se o seu mercado de trabalho for inflexível e se a taxa de câmbio for irrevogavelmente fixa, o fim do ‘boom’ imobiliário irá certamente reduzir a procura interna sem que daqui resulte uma expansão significativa das exportações líquidas. A deterioração orçamental será, pois, abrangente e sustentada.
Enquanto o défice do sector privado evolui para uma situação de excedente, o sector público caminha na direcção inversa. A Irlanda é um caso dramático: segundo o último relatório da OCDE sobre as “Perspectivas Económicas”, o défice orçamental deste país passou de um excedente de 3% do PIB para um défice de 7,1% entre 2006 e 2009.
No que respeita ao défice orçamental de Espanha, estima-se que passe de excedentário (2% do PIB) a deficitário (2,9% do PIB) durante o mesmo período. A isto soma-se o facto de Espanha registar também um elevado défice na balança de transacções correntes. Mas há mais. O sector privado também regista um défice significativo que deverá ascender em 2009 aos 4,5% do PIB. Se este diminuísse mais depressa do que esperado – o que pode perfeitamente acontecer nas actuais circunstâncias -, o abrandamento da economia e o recrudescimento do défice orçamental seriam ainda maiores.
De entre os membros da zona euro que hoje apresentam elevados défices financeiros na balança de transacções correntes e no sector privado contam-se Portugal e a Grécia, cujo sector público, a par de Itália e Bélgica, apresenta um dos mais elevados níveis de endividamento. Os seis países aqui invocados são, pois, os mais vulneráveis, com particular destaque para a Grécia.
Mas até que ponto poderá ocorrer uma crise orçamental? Tudo depende da duração e da profundidade da recessão na zona euro, da dívida pública inicial dos seus membros, da credibilidade das suas autoridades orçamentais, das dificuldades que terão em melhorar a concorrência externa e, não menos importante, se a crise vai ou não ocorrer nalgum destes países. Importa não esquecer que o pânico é contagioso.
Podemos interpretar a decisão que o Banco Central Europeu tomou na semana passada, de baixar as taxas de juro em 0,75 pontos percentuais, como um sinal de que está atento aos perigos, muito embora se possa dizer que a redução peca por insuficiente e tardia. Todavia, é impossível escapar ao problema central, isto é, às características da Alemanha enquanto âncora da economia da zona euro. E o problema da zona euro não reside no facto de ser um aglomerado de países. Reside, sim, no facto de o principal país que a integra ter características tão distintas.
E quais são, afinal, as características da Alemanha? Tem uma indústria transformadora extremamente competitiva; é um país com excedentes crónicos e uma procura interna estruturalmente fraca (que melhorou temporariamente durante a reunificação); e soube evitar ‘booms’ imobiliários e de crédito internos. Aparentemente, a elite alemã mostra-se indiferente à taxa de crescimento económico do país, mesmo a médio prazo, preferindo focalizar-se obsessivamente nos perigos da inflação. Além disso, considera imorais todos os países que gastem acima do seu rendimento.
Os alemães afirmam, e com razão, que o seu país é um exemplo de integridade e rectidão. Mas poderá ser difícil para os países ditos “normais” pautar-se por estes parâmetros. É claro que os restantes membros da zona euro optaram por seguir esta via. No entanto, países com excedentes estruturais, como é o caso da Alemanha, muitas vezes forçam os seus parceiros a gerir défices que os alemães desprezam. Nas actuais circunstâncias, esses défices, que são “deflacionários”, podem fazer disparar a taxa de incumprimento do sector privado e, eventualmente, do sector público.
Seja como for, até que ponto se irá admitir que um governo da zona euro incorra em incumprimento? Se sim, será resgatado? Se for, quem irá assumir esse resgate e qual o preço a pagar? É muito provável que o mundo não tarde em sabê-lo. Quem sabe a solução passa pelo federalismo orçamental. Ou não. A resposta poderá ser mais caótica e, nesse caso, alguns países poderão sofrer graves danos.
Se a retoma for robusta este risco será eliminado. E se isso acontecer sabe-se desde já qual será a fonte da retoma. Não a Alemanha nem as suas medidas para sustentar a procura interna, antes os imorais “anglo-saxónicos”. A Europa terá uma vez mais o prazer de condenar os Estados Unidos pelo seu hedonismo ao mesmo tempo que dele desfruta. Por outras palavras, trata-se da habitual estratégia ‘win-win’, isto é, todos saem a ganhar.
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