Caldeirão da Bolsa

Economia com pronúncia

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Economia com pronúncia

por marafado » 27/12/2004 17:54

Economia com pronúncia
Prenda de Natal
Por ALBERTO DE CASTRO
Segunda-feira, 27 de Dezembro de 2004

Qualquer análise sobre a economia portuguesa começa, passa ou acaba por concluir que o actual modelo de desenvolvimento está esgotado. É assim desde que me lembro e, provavelmente, continuará a ser assim. Isto acontece porque a mudança de um modelo de desenvolvimento não ocorre de um dia para o outro, nem por decreto. É um processo lento, cujos contornos só apreendemos quando nos distanciamos do mesmo, tal como acontece com a nossa própria evolução: para dar por ela é preciso, muitas das vezes, compararmos fotografias de dois períodos distintos. Os mais cépticos dirão que, no caso português, mesmo que façamos isso, encontraremos fotografias não muito diferentes ou, se alguma existe, é para pior: baixamos a percentagem do produto interno bruto (PIB) que exportamos, os sectores ditos tradicionais continuam responsáveis por uma quota significativa do produto, os salários baixos mantêm-se, a distribuição do rendimento tornou-se mais desigual, etc. Para os da minha idade, é como se olhássemos para a fotografia e só víssemos mais rugas e cabelos grisalhos, esquecendo que as análises dão melhores resultados ou que se perdeu peso. Mesmo no caso da economia portuguesa, é possível encontrar alguns desses sinais positivos na modernização da banca, no desenvolvimento do sector automóvel, no advento de algumas empresas de novas tecnologias, só para citar alguns exemplos.

Porém, ao contrário do que se passa com os humanos, na economia não basta nós estarmos melhores. É preciso saber se os outros não melhoraram ainda mais depressa. E aqui, sim, reside talvez a nossa maior debilidade. Não, certamente, por falta de diagnósticos ou, mesmo de receitas, mas pela nossa incapacidade de cumprir com o que está prescrito, como se a meio de um tratamento o abandonássemos para adoptar um outro que nos dizem (ou julgamos) melhor e o fizéssemos reiteradamente. A falta de continuidade e a instabilidade que tal atitude gera, acaba por produzir resultados contraproducentes. Em abono da verdade diga-se que muitas das receitas para combater as maleitas da economia são absolutamente genéricas (mais inovação, melhor educação, menos Estado) e carecem de concretização. Como se, muito doentes, fôssemos ao médico e este nos dissesse o que todos sabemos: faça exercício, coma peixe, frutas e vegetais, deixe de fumar.

Por tudo isso, quando surge uma iniciativa concreta que abre novas oportunidades, a mesma merece referência e elogio. É o caso da anunciada expansão do Media Parque, instalado no Monte da Virgem, em Gaia. Após um ambicioso projecto inicial, que rapidamente, como é hábito no Norte, muitos catalogaram de megalómano, o empreendimento parecia ter sido reduzido a um mero instrumento na reestruturação da RTP-Norte. A julgar pelas palavras do seu director executivo, citado no Público do dia 15 de Dezembro, o objectivo é criar um espaço "âncora de desenvolvimento dos 'media' e da sociedade de informação no Norte do país", retomando a filosofia do projecto original. O propósito de operar em rede, articulando com outros centros de competência já existentes, sejam eles instituições de ensino superior ou empresas privadas, merece, também, um sublinhado de concordância. Mas o Media Parque deve ter, também, um papel no fomento de novas empresas de produção de conteúdos, uma das actividades com elevado potencial de internacionalização, para o que será relevante assegurar o envolvimento do capital de risco. Atrevo-me, ainda, a sugerir que será necessário evitar uma visão muito fechada nos "media" e procurar parcerias, por exemplo, na indústria da moda, a qual pode ser um excelente cliente de conteúdos relacionados com a promoção e a simulação o que, por sua vez, requer um alargamento para a produção de "software". Na mesma linha de raciocínio, são óbvias as ligações que podem existir com as actividades de promoção turística ou de divulgação do património artístico e cultural.

Numa perspectiva mais centrada na área metropolitana do Porto, o Media Parque pode ser a peça que faltava para fechar o "puzzle" que (re)ponha o Porto, entendido em sentido lato, no mapa da "indústria" da qualidade de vida (entretenimento cultural, produção cultural, turismo, produção etc) e da modernidade. A cidade dispõe já de um museu (Serralves) que começa a ter algum protagonismo internacional no domínio da arte contemporânea. Tem uma faculdade de arquitectura que é, apenas, a escola mais internacionalizada do País. Vai ter (parece que finalmente!) um equipamento (Casa da Música) sobre o qual se alimentam expectativas de poder replicar, no seu domínio, o trajecto de Serralves. Se a tudo isto somarmos a multiplicidade de outros equipamentos (Museu Soares dos Reis, Rivoli, Coliseu, Europarque, Teatro S. João, as galerias da rua Miguel Bombarda, etc) e de protagonistas (companhias de teatro, músicos, pintores, escritores), ficará a faltar quem seja capaz de dar coerência, visibilidade e escala à multiplicidade de iniciativas que daí podem brotar. Na linguagem dos economistas, os "custos de transacção" envolvidos são demasiado elevados para qualquer daqueles agentes, isoladamente, tomar a seu cargo o empreendimento. Não parecendo a Junta Metropolitana também capaz de o fazer, será que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte poderá exercer um magistério de influência, honrando a tradição estabelecida por presidentes como Valente de Oliveira, Braga da Cruz ou Silva Peneda? Se a resposta fosse sim, seria uma grande prenda de Natal!

Professor da Universidade Católica do Porto
 
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